Páginas

Redes Sociais

.

quinta-feira, novembro 27, 2008

Clandestino em Repeat

Não. Xiuuu. Fala baixinho. Já te disse que não. Não insistas. Mas foi isso que combinámos, não te lembras? Sim, naquela noite chuvosa em que ficámos os dois em casa. A conversa como as cerejas. E combinámos não contar. Mas a sério? Não te lembras? Vá lá, não podemos. Ah, mas tenho que tapar-te a boca? Queres que te diga ao ouvido esquerdo, o ouvido que o coração ouve? Não, não podemos...Porquê? Ora, porque não. Foi o combinado. Sim, eu também...Eu sei. Sei pois. Duvidas? Sim, e eu também quero. Mas agora não. Não podemos. Quero guardá-lo só para nós. É que quando dissermos, vai deixar de ser o nosso segredo. E por enquanto, quero que continue assim. Só nosso.

Anda cá e dá-me a mão. Em troca, dou-te um beijo. Xiuuu. Não digas a ninguém. É clandestino. Só nosso.

É isto que eu sou, e tantas, tantas coisas. Mas isto, de certeza, sou eu.

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa.
Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive
Ricardo Reis

terça-feira, novembro 25, 2008

o texto que pode ser início e também pode ser fim de alguma coisa

imagem daqui
A relevância da actualidade (ou aquilo que a margem de 1300 caracteres me permitiu escrever para levar a cabo aquilo a que chamamos o nosso sonho)

A engrenagem arranca sem sequer ser accionada. Toca o despertador. Os phones nos ouvidos trazem a rádio que faz companhia até ao trabalho. Entretanto, já a televisão foi ligada e desligada. Na passagem pelo quiosque, uma vista de olhos pelos jornais diários. No metro, um ecrã gigante dá conta das novidades, ao mesmo tempo que as mãos folheiam os gratuitos. Chegado ao destino, a cadeira apoia o corpo frente ao computador. O dedo carrega no botão e a rede (www) faz o resto.
A informação submerge e é difícil distinguir o essencial do acessório.
Vive-se num mundo globalizado. A internet é referência pela quantidade, e ferramenta pela diversidade. E torna-se perigosa, pela ampla gama de ‘produtos’ que pode oferecer. Na rede, qualquer um pode viver, fazer, ser o que quiser. E quem quiser. Podem viver-se vidas paralelas, criar-se mundos imaginários.
Neste sentido, o mundo globalizado é por si só um enorme paradoxo. É proximidade, porque a rede anula distâncias geográficas. No entanto, é também afastamento, pelo carácter ficcional que se estabelece entre os participantes e pelo abismo que se cria hipoteticamente, entre aquilo que é verdadeiro e aquilo que se crê como tal.
A informação enquanto esclarecimento assume nos dias de hoje um carácter fundamental em termos de conhecimento da realidade. Para o leitor/espectador/cidadão, é essencial estar ‘a par’ da actualidade. Ela é início, meio e fim da informação. E a razão para a fazer circular nesta aldeia global em que, ela própria, transformou o mundo.

segunda-feira, novembro 24, 2008

Diz que há por aí novidades...

E que há um sonho em comum...
E que há vontade de remar contra a maré...
E que duas cabeças pensam mais e melhor que uma...
E que há vontade de fazer andar um projecto...
E que há uma agenda (nossa, tão nossa) à disposição.



"A ideia é escrever as coisas que achamos que devem ser noticia, para além das que têm que ser notícia. Escrever sobre o que se vai passando, mas de uma perspectiva nova, nossa, muito própria.
Se todos os sonhos são possíveis…então todos são passiveis de se concretizar!!!! Porque remar contra a maré a duas… é difícil mas é possível.
Margarida Vaqueiro Lopes e Mariana Matos Barbosa"


Posto isto, podem visitar-nos aqui.

quarta-feira, novembro 19, 2008

Ao Terreiro do Paço

À primeira vista

Depois de um dia complicado, mais complicado se torna sair do carro-patrulha com o frio que faz lá fora. Vale o turno da noite, que hoje termina junto ao rio, cenário que ajuda pela calma. Em redor, as luzes natalícias iluminam o Terreiro do Paço, ainda que ache todo este 'pisca-pisca' um grande exagero. Parece-me um grande festival, um acender e apagar de flashes. Encosto o corpo cansado à carrinha da polícia municipal e ponho-me a olhar para o velho relógio de aço, já encardido dos anos, a ver se o tempo passa mais depressa. Walkie-talkie no ouvido esquerdo, imagino-me a chegar a casa, nos subúrbios da capital. Terei o jantar já pronto a aquecer, dentro do microondas, como de resto sempre que a ronda acaba mais tarde. Esfrego as mãos uma na outra e sopro. O ar quente sai-me da boca e fumega na noite fria. Mas aquece as mãos, ressequidas pelo frio. Noite tranquila, que tudo permite. Até aquecer as mãos em pleno Terreiro do Paço, a apreciar a envolvência do local. Há umas 10 pessoas em toda a praça. Algumas esperam pelo eléctrico. Outras passeiam calmamente. Outras ainda andam apressadas, com urgência. Porque esta coisa das cidades grandes dormirem é mentira. Nada pára. Uma mulher gesticula, fala depressa. Dirige-se à esquadra na esquina e perco-a de vista. Dou a volta. Observo que se aproxima do hall, mas não passa da porta. Volta atrás. Fala ao telemóvel e mal se percebem as palavras que pronuncia. Parece falar para ninguém, 'profeta de horas vagas' que nem os fieís escutam com atenção. Nem uma palavra, nem um grito, um gesto. Nada. Só o gesticular de coisas que não conhecia, e o pronunciar de palavras que pareciam de amargura, de tristeza, de decepção. Perco-a de vista e olho o relógio outra vez. Onze e meia. Mais trinta minutos deste silêncio citadino e ponho-me a caminho do descanso. Vinda do lado do arco da rua Augusta, aproxima-se uma rapariga. Tem pouco mais de 20 anos. Ofegante, passo apressado, vem direita a mim. Atravessa cuidadosamente a estrada e diz-me que, mesmo em frente, do outro lado da estrada, está uma mulher deitada no chão. Sobressaltado, aviso o colega de turno e atravesso a estrada, quase sem pestanejar. Debaixo da paragem do autocarro, uma mulher jaz imóvel sobre as pedras da calçada portuguesa, gasta pelas constantes passagens. Entretanto, o INEM foi já chamado ao local. Observo-a à distância. A mulher está estendida no chão, sem sinais de agressão apesar de afirmar ter sido agredida. Lamento o trabalho que estes 'loucos' dão nestas noites frias, quando o que menos apetece é trabalhar. A mulher geme agora, com dores. No pescoço, que - grita - não consegue mexer, tal a agressão. Nas pernas, na coluna. E perturba mais saber que talvez vá atrasar-me na minha hora de saída, que o tempo não espera por estas emergências. Casos de loucos de Lisboa, vi já muitos. E este, digo, 'já conheço de cor'. As mãos trémulas dão a sensação de desgaste desta mulher. Mas não me engana. Agredida no eléctrico. No eléctrico da vida.

À segunda vista

Descer a Avenida da Liberdade em época de luzes de Natal, é como embarcar num dos mais bonitos cenários que presenciei. É fixar os olhos na iluminação e acelerar a velocidade, de maneira a que as pequenas lâmpadas se tranformem num 'combóio´de luz. É olhar em volta e descobrir uma Lisboa que cheira a Natal, um frio que sabe bem. A Rua Augusta tranforma-se em corredor de luz e sombras e, apesar de não existir, não é difícil começar a cantarolar o Jingle Bells, baixinho, para dentro. Atravesso o arco da rua Augusta. Falta pouco para as onze da noite e o Tejo está iluminado pelas luzes psicadélicas que enfeitam o Terreiro do Paço. Atravessamos, tu e eu, quais exploradoras da noite lisboeta, amantes de músicas efusivas que nos permitem gritar, saltar, dançar, e aproveitar o vermelho do semáforo para sair porta fora e agitar o corpo, despojadas de tudo o que é politicamente correcto. Ali, não há protocolos a seguir. Há uma cumplicidade latente.
E na espera, sentamo-nos no meio da praça, no banco frio. Às vezes reparamos nos mendigos estendidos na rua. e pomo-nos a elogiar-lhes a capacidade de resistência ao frio. Questionamos se terão, eles também uma alternativa. Uma oportunidade.
E ali sentadas, sentimo-nos numa discoteca em silêncio, onde há espaço para discutir um assunto já batido. Falamos de amor.
Chama-nos a atenção uma senhora. Caminha rapidamente, de um lado para o outro. Atravessa a estrada. 'Não parece nada bem', dizes, com aquele ar apreensivo de quem sabe o que diz mas não sabe o que fazer. Reparo nas mãos irrequietas. Que gesticulam desregradas ao ritmo de palavras que parecem noutra língua. Calamo-nos e observamos. E voltamos ao assunto do amor. Da saudade. E do hábito. E ela, por momentos, desaparece do nosso ângulo de visão. Passa um eléctrico. Pára na paragem. Toca a campaínha. E no momento em que arranca, nesse milésimo de segundo, olho para a esquerda e vejo-a caída no chão. Ela que, há pouco parecia preocupada. Perturbada. Nervosa. Apreensiva. Irritada. Codificada.
Agora está apenas prostrada no chão. Gelado. Corpo inerte. Caída sobre a carteira castanha. No chão branco da calçada portuguesa. Gelada. Ligamos ao INEM, as perguntas do costume. 'O que disse? Que idade tem? O que estava a fazer?'. O senhor desculpe, mas está uma mulher caída na paragem do autocarro e o senhor faz-me essas perguntas? Eu sei lá! Sei que ainda agora estava em pé, a caminhar louca, de um lado para o outro. E agora, sem mais nem menos, está caída no chão. Um homem aproxima-se também. Somos já três a assistir ao espéctáculo. Olho em volta. Alguém que ajude? De olhos fechados, nem sinal de vida naquele corpo 'adormecido'. Um carro da polícia municipal do outro lado da estrada. Apresso-me a atravessar a estrada. 'Boa noite. Está uma senhora caída ali no chão. Na paragem. Mesmo aqui em frente. Já ligámos ao INEM'. Atravesso a estrada. Oiço qualquer coisa relacionada com a ajuda de Deus. O homem está a pegar-lhe na mão e a falar-lhe de Deus. E a ambulância que não chega. Os olhos abrem e fecham repetidamente. As mãos tremem, não sei se de frio, se de raiva, se de nervoso, se de medo. Queixa-se de dores. De uns malandros que lhe roubaram a carteira. 'Não, a carteira está aqui minha senhora'. Não, a carteira era vermelha. Essa é castanha, não é? E agarra um lenço enrolado na mão, aperta-o com força. E o telemóvel apaga a luz azul. E ela geme de dores no pescoço, que foi agredida, e que lhe roubaram a carteira vermelha com os documentos, que não, que não é pelo dinheiro mas pelo passe. Como é que eu vou para casa agora? E eu não devia pagar nada porque foram eles que mo levaram. Ai se eu os apanho.
E o tempo passa, diz o polícia que conhece a história muito bem, que é 'complicada'. E eu assinto. E compreendo. Será loucura? Nada que não me tenha passado já pela cabeça, fruto do meu cepticismo. Credível? Sim. Em sofrimento? Também. E esperneia mais uma vez, e o pescoço que não consegue mexer. E as pernas. E a carteira. E a agressão no eléctrico. E a queixa que fez na polícia, ou que não fez porque não a deixaram. Porque precisa de ir primeiro ao hospital e ser observada pelo médico. E a ambulância a caminho. Não chega para acabar com o tormento. Observo de perto. Olho em meu redor. As luzes piscam ininterrupamente, sem pestanejar. O mundo continua invariavelmente a girar. A vida não pára e a mulher caída no chão de pedra. Frio. E preciso de um silêncio meu para digerir tudo isto. Avalio o meu cepticismo. Aproximo-me e olho-a nos olhos. Apetece-me passar-lhe a mão pela cabeça. Falta-lhe carinho. Falta-lhe amor. Falta-lhe atenção. Consegue-a. E temo ser agora mal interpretada nesta ideia simplificada que tenho da vida, de que nem tudo é o que parece, de que nem tudo tem de ser tão linear como o estabelecido. E percorro memórias, e sucedem-se imagens na minha cabeça. De que vale a atenção, se ela é acompanhada de pesar? Se os olhos que nos olham temem por nós? Engulo em seco estes pensamentos. E comento quanta solidão há nesta gente das cidades, nesta gente da actualidade, nesta gente de um mundo tão global que se conhece tão rapidamente e mais velozmente de desvincula. Num mundo que de repente se torna muito maior do que alguma vez poderemos albergar. E no qual às vezes, muitas, tantas, tanta gente não consegue encontrar um lugar que seja seu.

À terceira vista
E agora, aqui no chão frio, todo o meu corpo é chaga que reflecte o estado da minha cabeça. Da desordem, conheço os cantos à casa. Nada me faz recuar nas decisões. No início, a vida era feita de pequenas coisas, algumas delas pequenos dramas. Mas parece que agora, tudo na minha cabeça ganha uma dimensão desmedida, da qual perco facilmente o controlo. Espero pelo autocarro apinhado com a expectativa de quem aguarda uma oportunidade de iluminar um quotidiano negro. A pancada serve-me de alimento ao ego, tantas vezes ferido, outras tantas amargurado. E são tantas as pessoas que se cruzam no meu caminho que, muitas vezes não custa tentar chamar a atenção. E no chão frio, finjo-me esquecida, que é como me sinto sempre. Desprovida de bens, crio aos olhos dos que passam uma personagem que já não sou eu, senão a condensação de ódio, tristeza e solidão. Sinto-me só, e então? Tanta gente se sente assim, hoje em dia. Os dias passam e sem darmos por eles já são anos que passam sem darmos por eles e já são décadas. Que passam sem darmos por elas e já é a vida. E a vida passa sem darmos por ela. E no entanto, há pouco barata tonta, alvo de olhares curiosos, transformo-me num ápice em vítima da minha própria vida, camuflada por uma fraqueza de pernas que é real e me deixa afundar sob a paragem do autocarro. E os olhares curiosos passam a síndrome de preocupação. De pesar.
Olham-me na esperança de que lhes diga algo sobre a vida. Perguntam-me as razões da queda. Como explicar se eu própria não as sei? Fui coleccionando quedas, umas atrás das outras. E quando reparei, estava assim. Despojei-me do meu eu. Vivo uma vida paralela num corpo que já não reconheço, ora infecundo de esperança, ora mordaz de desespero, ora calejado de loucura.
E este plano contrapicado com que olho os que me olham, aqui, assim, caída em pleno Terreiro do Paço, não é mais que o meu palco, onde preconizo devaneios de uma vida que já nada me diz, senão o meu nome. Porque agora, só nele me reconheço.


E a vida passa, e continua, e alberga tantas vidas nela.
E é plateia observante. Expectante.
E também palco.

terça-feira, novembro 18, 2008

Com encontro marcado

A cidade parece tão grande sem ti, que mete medo passear sem a tua mão quente a envolver a minha. E no entanto, nunca estiveste assim tão perto para poder chamar-te meu, para dizer-te coisas boas, para te dar o melhor de mim. Vedei-te passagem à primeira incursão, sem saber que ia afastar a oportunidade de ser feliz de outra maneira. E investi, enganada por hábitos e conversas, sem saber bem ao que ia, guiada sem mais nem menos por um íman que tanto preenche como corrói.
Sabe bem pensar em ti ainda numa linguagem meio-codificada, fruto da distância não definida. E, no entanto, estás longe da minha vista, ainda que sinta a tua presença ao meu lado. És imune à minha ausência e fiel à minha presença. Só quero que quando sentires que me encontraste, me abraces como nunca pudeste fazer. Não importa a espera, senão a intensidade com que o encontro é vivido, ouvi eu, algures, num dia qualquer. Duma coisa estou certa: sei que estás aí.

segunda-feira, novembro 17, 2008

Um dia destes


Adormecida visão daquilo que as coisas são realmente, todos os dias arrasta os pés para o objectivo que pensa ser o seu. Sempre fiel às convicções, sempre defensor de direitos e cumpridor de deveres. Questiona-se acerca da legitimidade das decisões, numa escala em que a assertividade é contrária à negação. E acena com a cabeça de um lado para o outro enquanto faz coisas que não quer, impregnado pela vida cheia de coisas, que o leva todos os dias estoirado para a cama. Chama-lhe quotidiano, quando não lhe chama vida, e isso, só por si, leva-o a reflectir. De noite, arrasta os pés rumo ao lar, refúgio de horas vagas, sem 'coisas que tratar'. Vida cheia, coração demasiado ocupado, percurso sem sentido.


Um dia destes vai decidir-se finalmente a tirar as palas que tapam o 'ângulo morto'. A decisão puramente consciente vai permitir-lhe ver que a vida não tem de ser o amontoado coerente da estrada sem buracos, de alcatrão negro, mas plano. Vai subir ao topo do cilindro onde foi girando, protegido, e descobrir que por mais que o tempo não pare, há muito mais para lá do casa-trabalho, das 9 às 18. E dar-se-á conta de que, apesar de ainda restar muito tempo, outro tanto foi aproveitado em pouco mais de nada.

terça-feira, novembro 11, 2008

Wanna Disappear Completely?

I'll tell you how.

sexta-feira, novembro 07, 2008

Se perguntarem por mim


Já a noite vai longa e a escuridão não assola a cidade. Há luz de fundo, uma luz fininha, daquelas como a adolescência que - diz a minha mãe - não é carne nem peixe. Subo as escadas já com os chinelos a fugir dos pés. Apago a luz das escadas, abro a porta do quarto e acendo a luz da mesa de cabeceira. Rituais diários que fazem da vida esta sucessão de dias, e que tornam os anos uma continuidade de quotidianos.

Apago a luz e - ainda - a cidade não dorme. A luz dourada entra pela janela no tecto e deixa adivinhar a lua cheia lá fora. Pego no telemóvel. Penso na hora do despertar. 20 minutos mais cedo para poder dobrar o 'adiar' na manhã seguinte. Aproveito, ligo-o à ficha para carregar, não vá a bateria acabar a meio do dia de amanhã. Ou melhor, de hoje. A reflexão do dia. O que fiz. O que não fiz. O que preciso de fazer. Aquilo que não quero e aquilo que não consigo evitar fazer. Planos. Sonhos. Mais um dia que passou e a vida não anda. Rodo sobre o meu próprio eixo e ponho as mãos debaixo da almofada. Adormeço.

Toca o despertador. Adio. Toca outra vez. Adio novamente. Toca a terceira. Não há duas sem três, não é verdade? Toca. Levanto-me. Corro. Casa-de-banho, quarto. Faz a cama, veste-te, come, lava a cara, lava os dentes, tens tudo na carteira? Óculos, porta-moedas, agenda, caderno de apontamentos? Telemóvel. Vá, pega na chave. Sim, aquela que deixas sempre em cima da mesa da entrada, para evitar o esquecimento. E despacha-te, senão vais chegar atrasada. Anda, rápido que o tempo não pára. E penso pelo caminho, no que tenho de fazer, e nas coisas para o fim-de-semana, e na mochila que ainda não arranjei para levar, e no equipamento para a natação que ainda está por preparar, e o jantar combinado. E páro para conseguir tirar o auricular do telemóvel. Raio de fios enrolados. Como é que é possível? E eu com tanta pressa, já em cima da hora, e a querer ouvir rádio pelo caminho e os fios todos enrolados, parecem um ninho. E o telemóvel? Bolas que nunca encontro nada na carteira... E subo as escadas, cruzo-me com pessoas, algumas tão familiares. E desço. Bolas, que agora começou a chover. E apresso o passo. E agora a calçada - que é tão linda e tão branca e tão característica e tão portuguesa - agora tão escorregadia. E atravesso a passadeira. E a estrada. E espero pelo verde dos peões, que os carros que cruzam a avenida não estão para brincadeiras. E vejo a Gulbenkian à direita. E a frutaria à esquerda. E o relógio em frente a lembrar-me que ele não pára. E já está o Bruno Nogueira a falar na rádio e eu ainda nem a meio do caminho. Abrigo-me da chuva miudinha. Aconchego o lenço ao pescoço. Fecho mais um botão do casaco. E apresso o passo. Páro na montra do quiosque. Faço a revista de imprensa. Obama na capa do Público. Entro e compro. E a Vogue fresquinha. E penso que sou de contrariedades. E de antíteses. E que até posso ser um bocadinho estranha. E agradeço. Muito Obrigada e um bom dia, sim? E passo pelo hotel, e pela farmácia metida provisoriamente num bunker, coberto de folhas do Outono que já se instalou. E tropeço num buraco. E espero pelo bonequinho verde que quando vem também apita. E atravesso o jardim, por debaixo das árvores, apressada. Dou uma vista de olhos na capa do jornal, mas não consigo deixar de reparar na feira de velharias que nem sei de quanto em quanto tempo há. Mas sei que já algumas vezes pensei nisso, e pensei em reter as datas para saber quando era. E nunca o fiz. E depois atravesso a estrada, subo os degraus e tenho de esperar que a porta automática abra que estas coisas das tecnologias não contam com as minhas pressas. E espero pelo elevador que está no oitavo. E subo. Ligo o computador e vou buscar um café. Aninho-me na cadeira. Trabalho. Trabalho. Trabalho.
Almoço rápido e fujo, corro, vou dar uma volta que isto de passar oito horas seguidas sentada dá cabo de mim. Passo apressado e fujo às pessoas, aos hábitos. Decido subir a rua em vez do costumeiro descer. Mas não posso negar a pressa, que ao almoço o relógio também não pára e há que cumprir horários. Volto ao trabalho. Telefono. Escrevo. Telefono. Atendo. Respondo. Sorrio. Berro. Ponho as mãos à cabeça. Penso na vida. Esfrego os olhos que eles nem sempre se compadecem com as poucas horas de sono. Café. Outro. E as horas que agora não passam. Os minutos que não avançam. As respostas que não chegam e eu com tanta coisa que fazer. E estou a pensar se não hei-de ir dar uma volta agora, quando o apito soar na minha cabeça a dizer que é hora de saída. Que se os horários são para respeitar, que seja à entrada e à saída. E acho que vou mesmo. Calmamente. Sem pressas. Andar descompassadamente, sem querer saber de horas. Dar uma volta, a ver se esta rotina não se apodera - além dos meus horários - da minha vida (ou será tudo o mesmo?!). Além do mais, apetece sentir o cheirinho das castanhas que não pude comer ao almoço. Não houve tempo para ficar à espera na fila com pelo menos 10 pessoas. O tempo não se compadece com essas pequenas urgências. Não se intimida. Intimida-me antes a mim que, quando sair, afinal não vou ser assim tão livre de horários. Tenho mais ou menos uma hora para esse andar descompassado. Que o relógio que tenho hoje ao fim da tarde - e que se chama natação - não espera. Mas se, neste espacinho - que é meu - perguntarem por mim, digam que devo andar por aí.

quinta-feira, novembro 06, 2008

Dança

Dança pela relva, menina que pensa que é princesa. Rodopia como só tu sabes, sobre as pernas pequenas, esguias e descoordenadas. Rodopia em pensamentos e em atitudes, deixa-te levar pela brisa da serra, que embala as estórias que crias só para ti. Torna-nos a nós, espectadores das tuas tramas, das tuas canções. É encantador olhar-te em silêncio. E sedutor pensar que estamos incógnitos. E desafiante acompanhar-te. Embala-nos o olhar só de te contemplar. Faz-nos acreditar que, por mais que cresças, podes ser assim para sempre. Eterna nas convicções...e nos sonhos. Ouve, menina que pensa que é princesa. Quantas estórias tens para nos contar? Príncipes, fadas, florestas, bosques encantados. Jornadas impossíveis, códigos secretos, amores eternos. Conta-nos aquilo que sabes, aquilo que nós já deixámos de acreditar. Sorri muito. Materializa aquilo que te vai no coração. Pede-me que te abrace, menina que pensa que é princesa. E não te esqueças de dizer-me baixinho que me adoras, nas noites em que tu e eu dormimos lado a lado. Veste-te a preceito. Encarna a personagem. Anda às voltas até ficares tonta e cai na relva macia as vezes que te apetecer. Canta baixinho músicas que conhecemos, fala com quem te apetecer, sempre com essa voz doce, doce. E pensa-me sempre contigo. Sejas tu a que rodopia, a que sorri, a que refila, a que chora, a que abraça, a que duvida.

quarta-feira, novembro 05, 2008

'Cause things can change


Some men see things as they are and say why.

I dream things that never were and say 'Why not'?

Robert F. Kennedy