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quarta-feira, fevereiro 25, 2009

sexta-feira, fevereiro 20, 2009

lenga-lenga

Tenho uma paixão. Chama-se rádio.
Tenho uma amiga. Chama-se Meg.
Tenho uma rúbrica. Chama-se Bloco de Notas. É às sextas. Todas. Ou as que nós quisermos. Aqui. (no podcast da minha amiga Meg, que tem uma paixão por rádio, tal como eu)

Carnaval três

Mostra-me a tua máscara. Esfrega a lâmpada e pede três desejos. Hoje, só hoje, podes realizar os teus maiores sonhos. Não te acanhes. Pede. Pede que eu estou aqui para os satisfazer. Não tens de fazer sacrifícios, esfolar a pele dos joelhos com rezas nem preces. Pede apenas, pensa com força e eles realizam-se. Se quiseres voar e ver o mundo, voarás. Por cima das casas é tudo mais pequeno, e mais acessível. E tu, com o mundo a teus pés, podes sentir-te todo-poderoso. E se quiseres descansar, deita-te em qualquer lado e descansa. O tempo vai parar para não perderes pitada. Descansa bastante que o mundo pára só para que não percas nada do que se passa. E se quiseres permanecer, bem. Também se arranja. Sobrepõe máscaras. Guarda-as bem. Não as mostres a ninguém. E não peças nada. Sê apenas. Pleno. Em cada coisa.

Carnaval dois

Podes mascarar-te. Fazer trinta por uma linha. Dizer-me que por um dia és princesa. És super-heroína. És vagabunda. Podes jurar que não és tu mas outra que se me mostra. Que qualquer dia vais ser mesmo assim igual a todas essas coisas que prometes. Podes tentar entrelaçar os teus dedos nos meus de maneira diferente. Jurar a pés juntos que te transformaste com essa roupa. Que hoje fazes todas as loucuras, que gritas a Lisboa que me amas, que vais atacar-me com beijos ao som da sirene que eu nunca consigo ouvir. Podes tentar provar-me que hoje os teus beijos são menos apaixonados, que o teu coração bate menos do que ontem, ou que não é contigo que eu vou ser feliz.
Não me convences. A tua pele é a mesma. As tuas mãos têm a mesma suavidade. Essa máscara já eu conheço. Tens tantas. E eu? Eu podia apaixonar-me por ti outra vez. Convence-te. Qualquer que seja a máscara, já conheço a tua essência.

Carnaval um

Enquanto eles se passeiam pela curta avenida - mas a mais comprida cá da terra - cheios de folia carnavalesca e a pedirem atenção constante, os passos que eu dou são a pensar em ti. Quero abraçar-te quando chegar a casa. A música leva as ancas a balancear, para lá e para cá. Os chapéus coloridos lembram as pessoas de que o tempo é de festejos. Todos se vestem de maneira diferente. Querem ser alguma coisa que sonham, ou então que nunca sonharam. Ou simplesmente, querem ser diferentes de todos os dias. As colunas altas invadem as ruas com canções cantadas em brasileiro - o maior dos foliões. Os miúdos correm por entre a gravilha do separador da avenida, e quase atropelam aqueles que, como eu, têm o pensamento longe. E a hora de te abraçar nunca mais chega. Caminho em procissão. À minha frente, outros miúdos da idade do teu irmão mandam serpentinas aos que observam a passagem do cortejo. E eu ando automaticamente, e páro sempre que eles param. Não olho para trás nem reparo na guerra de balões de água, que disputam a atenção das miúdas penduradas à varanda do prédio do cruzamento. E nem a luz do dia aquece o meu estômago - porque o sol não reflecte no preto -, nem sequer a música me entra nos ouvidos. O amarelo, o azul e o resto da paleta transformaram-se em cinza há muito. Varia apenas o grau desta cor fria - ora mais escuro, ora mais claro - aos meus olhos. Não consigo sequer bater o pé nas paragens, a acompanhar o compasso. Porque simplesmente não o oiço. E quem me olha sabe que as minhas roupas pretas escondem o meu medo diário.
Medo não. Certeza.
Sei que vou chegar a casa, procurar-te no teu quarto e ver que tudo está intocado. Como desde o dia em que não voltaste. Sei que, mais uma vez, quando chegar a casa e for à tua procura para te abraçar, tu não vais estar.

quinta-feira, fevereiro 19, 2009

Fim-de-semana


Toca o despertador com regras, a lembrar a semana de trabalho, mas o céu está azul por cima de nós e a calçada pede que partilhemos com ela os nossos passos. Banho apressado, saímos cheias de planos, como se Lisboa fosse um mapa-mundo inteiro por descobrir. Há uma aula de dança a ver, uma conversa, há perguntas e respostas e dúvidas e hesitações, por entre passos barulhentos de sapatos com salto e biqueira forrados a metal. Há uma escada a pique para descer, e um eléctrico que sobe ao mesmo tempo e pelo qual, se não nos desviarmos, seremos atropeladas. Há cafés que nunca vimos, lojas em que nunca reparámos; há conversa sem mais nem porquê e convites para almoços 'no melhor restaurante de Lisboa'. Há expressões cansativas de tão repetidas, e que ficam nos ouvidos de quem nos ouve dizê-las em toda e qualquer circunstância, como um dialecto que se propaga à velocidade da mais contagiosa das doenças. Mas boas. E depois há um passeio pelo Chiado, há mensagens e chamadas a perguntar onde estamos, e nós perdidas naquela luz que tanto nos cega como nos encanta, e que cria em nós um encantamento que não sabemos explicar. Há um almoço-fábula, entre paredes de pedra, galerias de arte e máquinas de costura. E voltamos a dividir comida e bebida, e conversa - que nestes dias parece que a conversa não se esgota entre as palavras ditas e as não-ditas - até dividirmos também opiniões, em relação a vestidos e a casacos e a calças e a chapéus, numa loja da baixa. E depois descemos e passamos pela rua Augusta, tão emblemática e tão cheia nestes dias em que o sol é para todos e se ouvem todas as línguas pela rua. E quando damos por nós, falamos também já todas as línguas numa mistura que entendemos como nossa e que leva os outros a pensar no número de garrafas que teremos bebido durante o almoço. E depois subimos pela Sé e cruzamos a rua por entre os carris do eléctrico, entramos e saímos da galeria num ápice, mas não sem antes lermos todas as quadras apaixonadas de todos aqueles lenços que dantes os namorados mandavam aos donos dos seus corações. E subimos mais, já as pernas pedem por descanso. Sentamo-nos agora, olhos-nos-olhos com o Tejo - Tajo - e falamos com ele, como se fôssemos amigos de longa data (ou não seremos mesmo, depois de tantas conversas em madrugadas, e em noites de lua cheia, e em dias de temporal...que é disso que se fazem as grandes amizades?). E levantamo-nos que o dia já vai longo e ainda temos de subir ao castelo para sermos princesas amanhã, e depois voltar a descer e subir alto ao Bairro, para aconchegar o estômago vazio com um chá de frutos e uma torrada a dividir por duas. E no caminho, há carros que falam com os condutores, há Alexandre que fala espanhol com ingleses, e também connosco, há espanholas perdidas como nós nesta cidade que é nossa. Subimos, descemos e subimos. Voltamos a descer, já nos Restauradores; e há música na rua, balões em forma de coração voam e enfeitam os restaurantes; e voltamos a subir, pela escadinha a pique, com os degraus todos diferentes. Que o carro ficou no alto de uma das colinas. E elas são sete e ainda temos muito que andar, e...além disso, ainda é Sábado. Vamos?

segunda-feira, fevereiro 16, 2009

|Pause|


Parei para pensar que os dias não são todos iguais. Que a noite não começa quando o sol se põe e a aurora não se acende quando os pássaros de Lisboa inauguram 'seus doces cantos'. Parei para saber o que é a cadência das horas sem precisar de olhar para o relógio. Para perceber que um e um pode ser um e não tem de ser obrigatoriamente dois. Parei para dar valor às vossas piadas, para perceber o papel que cada um ocupa na minha vida, como se as vivências apressadas do quotidiano já não se tivessem encarregue de o fazer. Parei por saber que se um ciclo se fecha, outro começa com mais força, com mais pujança, com outra vontade. Para pensar na velocidade com que o tempo passa. Para saber que sinto a falta, que valorizo, que amo e odeio, com a mesma força. Mas com mais tempo. Parei para dar valor à pressa dos dias, e para apreciar a calma das horas. Para perceber que depois do caos, a redundância encarrega-se de restabelecer a ordem. Parei porque quis. E agora, ando por aí a aproveitar a pausa.

quinta-feira, fevereiro 12, 2009

Cheiras a noz moscada

Havia uma cadeira pequena, de pinho claro, onde eu me sentava horas a fio à tua espera. Lembro-me que na véspera, mal conseguia dormir a pensar que vinhas, e logo de manhã, mal me vestisse, sentava-me no telheiro da cozinha a pensar no momento em que veria o teu carro passar o portão. Vivias longe, viamos-te pouco e eu sentia muito a tua falta. E não havia maneira de arredar pé dali, antes que chegasses. Mal via o carro passar o portão, corria à cozinha a avisar toda a gente. Os manos mal reagiam, mas eu não fazia caso. Abria a porta que dá para a garagem e, com todo o cuidado, descia as escadas. Caí lá muitas vezes a descê-las com a pressa, por isso não podia arriscar. O teu cheiro lembrava-me frutos secos ou noz moscada. Não que eu soubesse exactamente a que cheirava a noz moscada, mas sei que o teu cheiro era quente. Familiar. Cheiro em tons pastel, sabes? E cheiravas sempre ao mesmo. A avelãs, a camisolas quentes, a lenha de lareira ainda por acender. Cheiravas a castanho, a Outono, a chocolate negro.
E vejo agora que estes cheiros são bem diferentes. E na altura pareciam-me tão iguais, como nós éramos. Como eu fazia questão que fôssemos. Só que as coisas mudam. E eu apercebi-me que o modelo que eras não era, afinal o modelo que eu pensava que eras. Agora sou eu que te visito, que as tuas pernas já não conseguem acelerar o carro vermelho como dantes. Nem os teus olhos são tão rápidos para acompanhar as velocidades da auto-estrada. Nem sequer os teus braços conseguem mover-se de maneira a manejarem sem dificuldades o volante. Pediste-me de maneira irrecusável e eu fui. E tu disseste-me que ficaste sentada na tua cama - que o quarto tem uma janela enorme que dá para ver a estrada e o parque de estacionamento - a esperar por mim. E eu apercebi-me do quanto as coisas mudam. Só que não sabes a cor do meu carro. Nem o modelo. Nem a matrícula. Como é que conseguirias esperar-me assim, como eu te esperei tantas e tantas vezes. E será que, quando me cumprimentaste, também te cheirei a chocolate negro, e a frutos secos, e a noz moscada?

quinta-feira, fevereiro 05, 2009

Não há quem me bata como eu

No ringue de combate, não há quem me bata como eu. Bato-me com força, sem piedade. E sem me olhar nos olhos.
Embato nos elásticos de protecção e o choque sem dó, sem amparo, sem cuidado, pisa a minha pele. Marca-a. Deixa nela um rasto. Pisadura. Nódoa-negra.

Ninguém me bate como eu. Vou com tudo, aposto até não conseguir mais com a dor. Perco até saber que não posso mais ganhar. Inflinjo-me sofrimento alheio, e alheio-me ao meu. Nego-o. Contra os elásticos do ringue. Com força. Violentamente. A frio. Sem piedade de mim.

Na minha pele, fios vermelhos, depois negros, roxos, amarelados. Uma evolução constante na cor. Uma permanente compensação. Persistente renovação. Reinvenção.

As marcas velhas, gastas, antigas, transformam-se com o tempo. Mas nunca chegam a desaparecer porque se renovam constantemente.

Tenho um corpo marcado pelo jogo de gato-sapato que faço de mim própria. Sem saber desde quando e até quando.

Toda a minha pele é nódoa negra feita por mim. E eu chaga, em mim mesma.

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

i want my sun back

Corrente de ar

Fecha-se a porta e estremece o corpo, do estrondo. Há correntes de ar que não conseguem evitar-se, por mais que se encostem as janelas. Nem casacos que valham às vezes, por mais que nos agasalhemos. Frio, é todo de aragem que nos causa dormência nos pés, que nos incomoda o estômago, e que até nos pode chegar a gelar a alma. Chega de mansinho, às vezes calma e pacientemente, na maioria delas sem avisar. Vem rápido e assusta. É como uma surpresa, uma visita inesperada a quem não queríamos mostrar a nossa casa. Ocupa-nos muitas vezes o refúgio, mexe-nos nas memórias, gela-nos o pensamento. Muitas vezes achamos que não passa, que nunca mais passa.
A corrente de ar arrepia, causa transtorno, provoca um batimento acelerado do coração. É atleta de velocidade, passa num ápice. Transforma. Assusta. É consequência. E causa. É razão de ser. Ou não.
Fecha a porta por favor. Não gosto de surpresas. E constipo-me com facilidade.

terça-feira, fevereiro 03, 2009

Te lo dije, Juan António! Te lo dije!


Há amores que nunca chegam a sê-lo. Histórias que nunca se encontram, pelas mais diversas razões. Caminhos que não se chegam a cruzar por mero acaso. Dentro das relações, há algumas verdes demais para conseguirem sobreviver. Há encontros fortuitos que, de tão ocasionais, podiam resultar em bonitas histórias de amor, mas há qualquer coisa que não os deixa evoluir. Há química à primeira-vista. Olhares que se cruzam e envergonham, sorrisos cúmplices mesmo sem passado. Há relações que, à primeira vista nunca resultariam pela incompatibilidade evidente dos próprios intervenientes, mas que acabam por permanecer, seja por insistência, por esforço, por dedicação, empenho, amor ou até por medo de não encontrar melhor. Em Vicky Cristina Barcelona há um amor que, pese o esforço e as infinitas tentativas, nunca resulta apenas por ele mesmo. Numa altura do filme, muito poeticamente - e muito ao jeito de Woody Allen - Juan António (Javier Bardem) afirma que tem a sensação de que ele e Maria Helena (Penelope Cruz) foram 'feitos um para o outro' mas ao mesmo tempo 'não foram feitos um para o outro'. Na verdade, só com o aparecimento de um terceiro interveniente - o elemento que faltava - a relação de ambos resulta. Neste caso a três. E quando esta parte falha, deixa os dois em maus lençóis. A relação a dois, não resulta com eles. Te lo dije, Juan António. Te lo dije!

segunda-feira, fevereiro 02, 2009

No mundo à parte

Caminharam as três pelas ruas da baixa. O dia esgotante culminou num passeio sobre a calçada portuguesa, tão ao gosto dos turistas, tão pouco ao dos saltos altos. Conversaram, tomaram café, discutiram, interromperam-se. Discutiram ideias e trocaram perspectivas. Havia um trabalho novo, uma possibilidade, uma novidade que ainda era segredo. Decidiram entrar naquela igreja no final da rua, à espera de uma oração cantada. Abriram a porta de madeira, alta, e ela chiou, com o esforço. Sinal do tempo, do calor, do uso. Entraram. Havia umas 15 pessoas, distribuídas pelos bancos da nave principal. Sentaram-se as três, lado a lado, sem falarem. E assim ficaram, à espera que aquele momento fizesse reflectir aquilo que mais desejavam. Ali, entre elas. E no mundo lá fora.

domingo, fevereiro 01, 2009

gostava de nadar fundo. gostava de ir lá abaixo e ver o que lá há.

Acordo com um sussurro. Há uma voz trémula, sem compasso, irregular. Um choro abafado, e palavras, muitas, seguidas. As frases tornam-se difíceis de perceber porque está longe, e fala baixo e depressa. Abro os olhos, inchados. Olho para o relógio, debaixo da almofada. É cedo. E parece que ainda não acordei. E aquela voz cria um ritmo, uma melodia. É fundo à chuva que cai lá fora. E ao sopro enfurecido do vento. Ouço com atenção a ver se percebo. Nada. Nem uma palavra. Não quero interromper a oração. Espero. Queria perceber e agora tento abafar as palavras. Tento fechar os olhos e voltar a dormir. É cedo. Cedo demais.
Trémula, abraça a botija onde a água já está morna. Encosta-se ao cadeirão, no cantinho. Aconchega a manta no colo. É frio. É cansaço.
Ajeita a almofada. Passa a botija para trás. Levanta-se. Vai buscar um copo de água. Senta-se. Levanta-se. Vai buscar um guardanapo. Senta-se. Levanta-se. Vai buscar outra qualquer coisa que já não me lembro. Quebra o silêncio. Frio. Cansaço. Solidão. Passos incertos. Não consegue assinar o nome. Perde a identidade pela incapacidade de se escrever. Sente-se fraca. Diminuída. Fala da doença. É a doença. Não a idade. É a doença que me põe assim. Reduzida a um corpo débil, velho e cansado, dormente a maioria das vezes. Doente. Preciso de dar um jeito em mim mesma, ver se tenho alento. Já lhe dava jeito, já. A ver se consegue nadar bem fundo, a ver o que há no fundo do mar.