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domingo, maio 30, 2010

Muito provavelmente serão felizes para sempre

Sui generis. Foi isso que foi. Não houve convites, nem vestido de princesa branco imaculado, nem uma plateia de convidados a encherem uma igreja da Baixa. Não houve copo de água, nem banda a tocar na festa, nem sequer houve acólitos a ajudar o padre a segurar a Bíblia, na hora de ler o Evangelho aos noivos. Os convidados contavam-se pelos dedos de duas mãos, o coro pelos de uma e os padrinhos foram a família. As palavras foram sentidas, houve enganos e sorrisos, e houve também tempo para corrigir o que estava mal, tempo para fazer as coisas com calma, de tão descontraído o acontecimento. Sui generis, dizia ela. E foi. Cantou-se com alma, abraçou-se com carinho, beijou-se com gratidão. Pediram-se pétalas e arroz no café da esquina, bebeu-se água de garrafas alheias, e houve desconhecidos a testemunhar o momento, que entravam na igreja ao mesmo tempo que decorria a cerimónia. Quebraram-se as tradições: o véu desapareceu, a liga não existiu. Mas houve um sol quentinho a receber os noivos debaixo da chuva de pétalas amarelas e vermelhas. E houve um carro barulhento com música. E houve turistas nas ruas do Chiado a tirar fotografias. E houve amigos que "eram capazes de aparecer" e que "apareceram" mesmo, entre a areia da praia e a calçada portuguesa. E houve também um brinde aos noivos, e promessas de amor eterno - que há tradições que nunca podem ser quebradas. Foi especial por ser assim. Simples. E porque o nervosismo estava lá, como em todo o lado onde se fazem promessas que se querem ver cumpridas. Sui generis.

sexta-feira, maio 28, 2010

terça-feira, maio 25, 2010

toda a gente foi domingo (ao menos) uma vez.

Pega no copo de pé alto - um clássico que lhe custou barato naquela loja de antiguidades da esquina - e bebe o último trago do vinho branco que ainda está fresco. Não sabe bem como é que o vinho ainda está fresco, que é Agosto, está calor, e o tempo quente não é amigo das coisas frescas. Talvez seja dela, e da conversa saborosa à volta daquela mesa redonda naquele fim de tarde. Não nesse, mas daquele que nesse se lembra, que as recordações também são doces e frescas, como os dias presentes ou ainda aqueles sonhados que ainda não aconteceram. Ali sentada, sozinha, sente-se ainda acompanhada daquelas conversas. Da vida dos que estão longe mas que dão notícias por telefone. Dos outros, tão perto, mas que lhe escrevem cartas todos os meses, mesmo que combinem cafés. E dos outros, aqueles de quem nunca mais teve notícia mas que fazem e sempre farão parte das histórias da vida dela. Ali, sentada, inspira-se nas recordações que permanecem, e bebe o último trago, sem perceber que o vinho já aqueceu com o calor do ar, e que ela - tão preocupada com o passado comum - envelheceu sem dar por nada.

quinta-feira, maio 20, 2010

Da minha cor favorita

Est'agora

Às vezes preferia que não tivesse sido assim. Não dar por ti quando coincidimos nos sítios. Preferia que este radar que não falha falhasse de quando em vez. De vez em quando. Queria não te ter visto naquela calçada íngreme, tu a subir, eu a descer. Continuei a beber a capirinha - como se a lima (ou será limão dos brasileiros, dos verdes) me ajudasse a esquecer que naquele dia conversámos até de madrugada.
Preferia não ter visto quando passei - sorrateira - por trás de ti, noutra noite qualquer. Uma ventania grande na rua, e nós ali - coincidentes - mais uma vez. Preferia ter-te passado ao lado, preferia que não me tivesses sentido passar quase colada a ti (e esse radar que não falha). Preferia, às vezes, não ter coincidido naquela noite em que as despedidas foram as boas-vindas que num instante se tornaram despedidas. Ou então preferia só conseguir fazer-me notar sem notar eu que estavas também. Distraída. Acho que é isso. Preferia uma distracção.

quarta-feira, maio 19, 2010

Razões, ao ritmo do djambé

Falta-nos por aqui uma grande razão
Como dizia o Cesariny
Uma verdade para qualquer estação


Falta-nos um motivo, um anseio
um desejo fortíssimo,
Um desígnio, uma visão

Falta-nos um punhal brilhantíssimo
Para liquidar esta vida de conformismo
De rotina sem ambição

E falta-nos uma espingarda
Para apontar ao manto da noite
E rasgar estrelas na escuridão

Falta-nos um visionário
Que traga o futuro nos olhos
E a cara pintada de carvão

E falta-nos um gato persa
Que seja tão sábio como os sábios
Quando sustém a respiração

Falta-nos um garfo de aço holandês
Com embutidos de mármore
Que diga poemas em alemão

Falta-nos um Kant, um Locke
Um Aristóteles, um Sócrates,
Um Newton, um Platão

Falta-nos acabar com os burocratas
Fundar uma não igreja
E pôr no altar a imaginação

E falta-nos uma pianista que toque
Bach, Mozart, Chopin
De forma perfeita com uma só mão

Falta-nos brilho, noite, lantejoulas
E uma inesperada mulher-palhaço
Que nos faça rir até à exaustão

E falta-nos um jardim humanológico
Repleto de corruptos e assassinos
Comidos dia a dia por um leão

Falta-nos um relógio que não nos dê ordens
Um barco que seja um jardim
E um zeppellin que só ande no chão

Falta-nos dedos para tocar o invisível
Todas as palavras ainda por dizer
E uma imensa coragem no coração

E falta-nos ter o peito muito aberto
A tudo o que seja talento, novidade,
Diferença, inovação

Falta-nos fazer o exercício diário
De andar de bicicleta num arame esticado
Entre dois prédios em construção

Falta-nos sobreviver sem telemóveis
Automóveis, sacos de plástico,
Ipods, twitter e sobretudo a televisão

Falta-nos fazer filhos aos magotes
Mas não para garantir a segurança social
nem os educadores do ministério da educação

Falta-nos esquecer todas as fronteiras
Instalar alarmes, os barcos da marinha
Sossegar o nosso medo da imigração

Falta-nos filosofar socraticamente
Sobre negros, amarelos, mulatos
E os benefícios da miscigenação

Falta-nos uma bússola, um sextante
Um astrolábio, a rosa dos ventos
para nos ajudar na navegação

Falta-nos uma mesa de pé de galo
Que se levante no ar e voe
Quando o debate se transforma em discussão

Falta-nos discursos de jazz no parlamento
De Coltrane, Milles Davis, Thelonius Monk
Em vez de Governo e oposição

E falta-nos fazer algo verdadeiramente original:
eleger um sonho para nos governar
Em vez de uma desilusão

Até lá, como dizia o Cesariny
Falta por aqui uma grande razão!
Nicolau Santos

segunda-feira, maio 17, 2010

O dia do ramo da espiga

"Bom dia", dizia ela do alto do metro e meio, sapatos de verniz altos e bicudos, próprios de uma professora primária. Respondiamos, já de pé e em coro "Bom dia, sra. professora", um hábito criado desde o primeiro dia, sem objecções (que em 1991 não havia quem refilasse com os professores). Anunciava que depois do intervalo grande - onde corríamos por baixo do chorão (que diziam ter escorpiões) e fingíamos ser super-mulheres no meio dos rapazes que não nos ligavam nenhuma nem se deixavam distrair no jogo de futebol - íamos apanhar a espiga. Que era dia da espiga. E nós - que a memória é curta e comprida - não nos lembravamos bem o que isso queria dizer. O intervalo ainda dava margem para mais uma passagem de modelos - e para roubar mais umas flores de maracujá ao jardim da D. Madalena no Casaleiro (que nunca fez queixinhas quando encontrava a minha mãe no supermercado).
Dois a dois - meninas com meninas e meninos com meninos - seguíamos por caminhos de cabras a tentar apanhar as papoilas mais viçosas, e as espigas mais bonitas. Margaridas, e "o teu pai é careca?" e mais outros jogos que envolviam namorados, e amoras, e quantos tens e quantos queres e se queres ou não queres. Não quero não. Do Matão para o bairro Mãe de Água são dez minutos de distância. E um acampamento de ciganos com a roupa lavada e estendida ao sol - que seca com o vento - onde os cães ladravam quando passávamos. E uns caminhos que já nos eram familiares ao passarmos por lá (e que agora, talvez já não reconheça, que há tantos anos não passo lá). E depois, raminhos bem feitos, escrevíamos uma frase bonita para entregar - qual presente que agora poucos dão valor - quando nos fossem buscar para almoçar.

quinta-feira, maio 06, 2010

Amor à primeira vista

É difícil explicar o que aconteceu. Foi tudo tão rápido e imperceptível. Sei que nem sabia o teu nome. Apresentaram-te como sendo um todo, não um nome só. Diziam que eras outra coisa, que eras ousado. Destemido. Fresco. Jovem. Completamente diferente dos outros.
Eu acreditei porque os que já te conheciam falavam maravilhas de ti. E eu decidi arriscar. Deixei o ceptismo de lado e, qual aventureira, deixei-me levar como fazem todos os apaixonados. Ainda sem te conhecer pessoalmente, perguntava por ti, preocupava-me contigo. E lembro-me que até sonhei contigo algumas vezes, nas noites antes do derradeiro dia. Conheci-te numa sala cheinha de gente que comentava o teu aspecto baixinho. E depois alto, ao microfone, para toda a gente ouvir. À primeira vista achei-te diferente, sim. Parecias luminoso, apesar de cinzento por dentro. Mas como toda a gente, pensei logo poder-te mudar, como se a mudança não partisse de ti, mas de mim. Mas aos poucos, comecei a dar-te espaço, e a por-me à vontade. E comelámos a conhecer-nos melhor, a conversar mais. Vimos que partilhavamos gostos, interesses... que gostavamos das mesmas cores, que coincidiamos nos lugares. Num instante, comecei a pensar em ti a toda a hora. Falava de ti a toda a gente. E sempre que me aproximava, o coração batia mais depressa e sentia borboletas na barriga quando te via. E toda a gente me perguntava quando é que te conhecia, tal era a excitação. Começaste a parecer-me mais luminoso, mais ousado. Deste-te a conhecer, mostraste-me outra maneira de ver as coisas. E começámos a falar da mesma maneira, a usar as mesmas expressões, a rir das mesmas piadas, como gente que passa muito tempo junta e se conhece como a palma da mão. Sabes? E depois o tempo foi passando rápido, as provas sendo ultrapassadas. Grandes novidades, pequenos segredos, montes de coisas partilhadas. Quando dei por mim estava apaixonada e já não me imaginava sem ti. Passaste a fazer parte do meu dia-a-dia, da minha vida, a condicionar as minhas escolhas. Abdiquei de tempo para estar contigo, estiquei os dias para poder dar-te atenção, desdobrei-me em cuidados quando te senti mais frágil, apoiei-me no teu ombro quando me apeteceu chorar. E não é isso o amor?
É difícil explicar como isto tudo aconteceu. Porque a maior parte das paixões não se explica. Acontece. Num instante. Tão rápida, veloz, inexplicável, imprevisível. Só sei que quando me dei conta, era impossível voltar atrás. Há um ano que preciso de ti todos os dias. Coisa boa, esta.

Olha


Só para avisar que tenho mau feitio, que posso assustar, que me apaixono facilmente, que não sei onde isto vai dar. Nem quando, nem como, nem se vai dar, de todo. Que sou muitas vezes menos do que queria ser, e outras tantas mais do que alguma vez imaginei. E que ainda não te dei o abraço que queria. E isso faz-me sentir a tua falta. Além de tudo o resto que ficou por fazer.

domingo, maio 02, 2010

É desmedido, bem sei. E sempre me ensinaste que tudo o que era demais era mau. Mas gostar de ti de maneira desmedida - sei eu - nunca é demais. Sabes porquê? Porque nunca é suficiente gostarmos de quem nos quer bem. E de todas as vezes que me senti sozinha, tu estavas lá. E de todas as vezes que precisei de um abraço, tu deste-mo. E de palavras bonitas, e de uma palmada, e de uma festa no cabelo, ou de um beijo na testa.
Não és perfeita: já te vi chorar de tristeza, emocionar de alegria, gritar de ódio, sorrir de nervoso, dizer não por capricho, torcer o nariz de desconfiança. Já deixaste de me falar uma vez. Já te abracei quando não conseguiste deixar de fumar, já te fiz massagens nos pés, já te pintei as unhas e já cozinhei para ti. Já nos zangámos algumas vezes, já gritámos uma com a outra, e já chorámos por termos gritado uma com a outra.
Sei a tua voz de cor, e reconheço há anos a maneira como tosses. Tanto que quando passavas no corredor da escola, dizia baixinho que eras tu que estavas a passar. Nunca mentes e isso é bom. Dás o exemplo, elogias os bons feitos e és a primeira a criticar aquilo que fiz mal. E sei que posso contar sempre sempre, sempre contigo, que tenho a certeza que não me vais falhar nunca. Porque se não sei onde vou acabar, sei muito bem de onde vim. E isso ninguém nos tira. Nem a ti, nem a mim.