MADRID
Dizia Fernando Pessoa da Coca-Cola: "Primeiro estranha-se; depois entranha-se". Sinto o mesmo em relacao ao meu (quase no fim) ERASMUS.
As malas estao quase feitas. Roupa de Verao (ainda) e de Inverno aos montes, sobreposta com lembrancas, saudades (ja e ainda) e otras cositas más. Mas as fotografias continuam nas paredes, á espera da hora derradeira. Aquela hora em que as últimas coisas se poem dentro do último saco e se preparam para o regresso. Afinal, vou voltar para casa.
Cinco meses e meio de ausencia. Desde 4 de Setembro que estou em Madrid. Adaptacao difícil (muito mais do que imaginava). A verdade é que sempre fui um bocadinho avessa a mudancas, confesso. Mas pensava que tinha mudado. Afinal, nao tanto como isso!
Sento-me na ponta da cama coberta com a colcha azul turqueza e suspiro. Nunca pensei que esta aventura me trouxesse tantas emocoes como aquelas que vivi, que vivo e que nunca mais acabam. Encosto os cotovelos nos joelhos e parece que todo o corpo cai. Deito a cabeca na cama e olho á minha volta. O quarto pequenino, frio e humido, meu aconchego nas horas mais nostalgicas, vai ser abandonado. Todas as minhas marcas - fotografias, papelada, termoventilador, tapete as riscas, O Beijo do Klimt comprado no Rastro, desarrumacao - tudo vai deixar de fazer parte da casa madrilena.
Depois do Natal, quando regressei, senti que comecava a contagem decrescente. E essa sensacao fez nascer uma enorme ansiedade e uma angústia (diria, grandota) por o tempo estar a passar tao depressa. Mas é mesmo verdade...passou a correr.
O meu ERASMUS nao foi aquilo que eu sonhava. Sonhava com noitadas de partilha, conversas e descobertas de que me falavam com tanto orgulho pessoas que ja tinham ido e ja tinham regressado, paixoes assolapadas por tudo e por nada, gargalhadas histéricas, baldas as aulas, amizades loucas, espontaneas. Acho que tive as experiencias, mas nao na intensidade com que as sonhava. Sera que me estou a fazer entender?
Bem...adiante!
Cada regresso a Lisboa era para mim uma lufada de ar fresco. A Luz de Lisboa é incomparável. O branco da calcada inigualável e o que sinto quando chego é um conforto imenso e uma sensacao de "casa" muito grande. Conheco os sitios, os ruidos, os cheiros...e dá-me uma seguranca enorme poder encontrar pessoas conhecidas em sítios familiares. Aqui em Madrid nao era assim. Mas desde que comecei a pensar que me ia embora que me sinto em "casa" quando chego. A estranheza dos primeiros tempos contrasta agora, fria e cruelmente com a sensacao de que me sinto bem, de que já conheco sítios e já sinto a cidade como minha. Agora nao me importo de andar por ai a deambular sozinha, nao me importo de rir quando fixo o olhar nos homens-estátua dos preciados e eles sorriem, nao me interessa estalar os dedos no metro quando vibro com a musica nos headphones alheios...porque Madrid já e minha. Já a sinto como familiar, como um sítio que conheco, como companheira cúmplice e discreta de aventuras, risotas, brincadeiras, dancas e cancoes, paixoes, ERASMUS.
Gosto de passear e poder responder a turistas onde é a estacao de metro mais próxima, quanto tempo demora a viagem até Segovia, quanto custam os bilhetes de autocarro e a que horas fecha o Mac de Cuatro Caminos. Gosto quando tocam a campainha e nao se percebe nada do que dizem, quando vou a descer as escadas do metro aqui mesmo a porta de casa (e so atravessar a estrada) e sentir o vento a soprar no cabelo. Gosto de chegar a Ciudad Universitaria e ver que o sinal do semáforo está verde para eu passar, e sentir que ha na cafetaria o cheirinho de napolitanas de chocolate e montes de gente da mesma idade que faz as mesmas coisas que eu e rapazes a jogar rugby no campo enlameado e sempre cheio de pocas de água mesmo atrás do edificio novo da faculdade. E gosto que ninguém perceba o que digo quando falo portugues e gosto dos amigos que fiz e de passear pela Calle Mayor e de me sentar na Plaza Mayor e de sentir que tenho a orelha vermelha por isso é sinal que a mesma hora alguém de quem gosto muito e que gosta muito de mim, está a pensar em mim. E o que gosto mais é de nao pensar nesta despedida como uma coisa definitiva. E certo que ERASMUS termina e nunca mais vai ser o mesmo. De turista passei a residente e com a mesma rapidez e intensidade vou voltar a condicao inicial. É incrível como os ciclos se repetem e ainda mais incrível eu sentir - como digo tantas vezes - que a intensidade com que sinto querer voltar é a mesma que me faz pensar remotamente que poderia ficar mais. Porque acho que aquilo que nao podemos mudar a partida se torna mais desejado (pelo menos neste caso). Porque decidi partir e neste momento apetece tanto ficar. Porque as companeras de piso, Cuatro Caminos, o Carrefour, o Sol, o Paseo do Prado, o Reina Sofia, a Gran Via, a musica clássica a porta da Fnac dos Preciados, os passeios pela Calle Arenal desde a Opera até ao Palacio Real e a minha Plaza Mayor me vao fazer tanta falta.
Porque este misto de emocoes so me faz sentir que estou maior, mais sensível a realidade, e me sinto como tu disseste T., que o crescimento nao "cabe mais em nós". Porque me sinto cheia de tudo e de nada, porque vai custar dizer Adeus (melhor dizer hasta ahora) e me vai dar tanto prazer refazer a rotina.
Madrid faz parte de mim porque, sinto, nao consigo descrever tao bem como gostaria aquilo que sinto por ela. E porque já tenho saudades e ainda nao fui.
Dizia eu quando vim..naquele post remoto cheio de nostalgia portuguesa, de saudades enormes, de falta de tudo aquilo que a mudanca me tinha tirado...Lo importante es volver. Digo o mesmo agora que regresso. A frase vai ficar para sempre. Muda o objecto. Como está tudo sempre em mudanca, resta esperar pela próxima paragem. Nao será ERASMUS porque esse nao se pode repetir. Mas será certamente por outro motivo qualquer. Porque em mim...há tantas recordacoes como há sonhos por concretizar. E como dizia o poeta...parar é morrer!