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quarta-feira, agosto 26, 2009

(Re)publicação #2*

Não vou a tua casa todos os dias, é certo. E mesmo que não vá tantas como gostaria, sempre que lá entro o teu cheiro está no ar. Na mesa da entrada há uma fotografia tua. Sorridente sem ser exagerado. Distinto e subtil como só tu sabes ser. E confio que estejas escondido em qualquer sítio, ou que tenhas saído sem avisar, ou que te tenhas atrasado nalgum recado. Só depois reparo nos finos lírios lilás que ficam tão bem com a gravata que tens na fotografia. E lembro-me que já não estás porque desde aquele Julho nunca mais voltaste. Lembro-me e sinto saudades de pôr o guardanapo diferente para ti na mesa. Porque só gostavas dos de tecido. Tenho saudades porque nunca provei arroz de tomate tão saboroso como o teu. Saudades de te ver cruzar as mãos, chamar Pequenina à avó, Formiguinha à Madalena e Bailarina à Maria. Falta de fazeres companhia nos pequenos-almoços das férias. De gostares de saber das notas da escola em primeira mão. E de apareceres sempre nas vésperas das festas para animar o pessoal. Saudades de ti, das gargalhadas sentidas e do orgulho que transparecia a par do sentido crítico que nunca perdeste. Falta dos conselhos sábios e da calma da análise das coisas. Falta de ti, que és tão insubstituível como esta ausência dura de gerir e impossível de esquecer. Impossível de compreender.

terça-feira, agosto 25, 2009

Por lapso

esqueci-me o quanto gosto de conversar à mesa depois do jantar, e de ficar a beber devagar uma bebida fresca, enquanto discutimos juntos tudo o que cada um fez durante o dia.
deixei de me lembrar que adorava pensar no dia todo, refazê-lo em partes e percorrer todas as palavras ditas e ouvidas, já com a percepção de que eram repetição, mas com o fascínio de quem vê a própria vida e a analisa de fora. sem culpas.
lembrei-me que há coisas mais importantes do que aquelas a quem realmente dou alguma importância.
importa-me esperar por amigos, aproveitar as conversas, sentar-me numa esplanada e remoer aquilo que leio nas páginas de um jornal, como se as palavras me fossem indegestas.
quero achar-te engraçado como quem ouve as piadas pela primeira vez e só as percebe quando são explicadas por alguém, tal é o fascínio de te olhar na tua altivez e ver-te, ao mesmo tempo, da minha altura.
lembrei-me hoje que é bom não esquecer certas coisas. que a memória é das qualidades mais importantes que devem conservar-se e praticar-se e cultivar-se. dia após dia.

quinta-feira, agosto 20, 2009

Rápida-mente

Toca aquele bling bling cansativo e levanta-se de sobressalto, como se mais cinco minutos na cama fizessem toda a diferença. Não adormece de manhã, com medo que o mundo lhe escape num instante, de ver que as coisas mudam tão rápido que se de um momento para o outro o mundo cair, nunca conseguirá apanhar a cadência das coisas. Corre para o banho e é rápida no pensamento, mesmo de manhã, quando ninguém consegue ser. A luz dá-lhe uma energia quanse inesgotável e tem a certeza que, se falasse consigo logo de manhã, talvez não percebesse metade das palavras ditas, dada a velocidade com que o pensamento corre. Acumula a lista de tarefas diárias e só depende dela. Às vezes é esse o problema. Falta-lhe o tempo para poder agarrar-se ao pensamento, como num jornal normal numa praia ventosa: as folhas fogem sem deixar rasto, a menos que tenham sido cuidadosamente lidas. Cuidadosa é ela, com as coisas que faz. Já com as coisas que é, saltita entre as certezas e as dúvidas. Duvida tantas vezes que chega a confundir as próprias reflexões, como se as pernas não quisessem andar sem terem os sapatos calçados, mesmo que o chão seja forrado a algodão fofo e quente. Tem uma certeza: está numa construção que não tem fim. E é bom conseguir perceber isso.

quarta-feira, agosto 19, 2009

Dossier

Houve um dia em que me deste um dossier antigo com artigos publicados em vários jornais e planos de um livro que nunca acabaste. Emocionou-me um gesto tão particular e sentimental da tua parte. Acho que foi das primeiras vezes que te senti de carne e osso.
Nunca me senti muito inspirada por ti. Digo-me que não sou assim tão sisuda, assim tão austera, tão ponderada, digo-me que não sou assim.
Mas penso algumas vezes se serei mais do que insisto em negar. Sou sisuda quando me vejo gravada por uma câmara de filmar. Franzo o sobrolho sem me aperceber, e fecho os olhos ao falar. Mas talvez sorrias mais do que eu quando achas alguma coisa engraçada. Pergunto-me por que nunca escrevi sobre ti, assim directamente. Já foste mais austero, mais distante. E acho quando te ofereci um livro com uma dedicatória te emocionaste por sentires que talvez tenha herdado de "escrever" de ti. Não me acompanhas tanto como gostarias, simplesmente porque talvez não estejas para aí virado nesses dias, mas sei que te orgulhas. E tens vergonha de teres vontade de chorar quando eu também, entre lágrimas, te agradeço o velho dossier que guardaste para mim. Fazes sentir-me especial. E isso é bom.

segunda-feira, agosto 03, 2009

Primeiro de Agosto

É amanha dia 1 de Agosto /E tudo em mim é um fogo posto/Sacola ás costas, cantante na mão/Enterro os pés no calor do chão/É tanto o sol pelo caminho/Que vendo um, não me sinto sozinho/Todos os anos, em praias diferentes/Se buscam corpos sedosos e quentes/Adoro ver a praia dourada/O estranho brilho da areia molhada/Mergulho verde nas ondas do mar/Procuro o fundo pra lhe tocar/Estendido ao sol, sem nada dizer/Sorriso aberto de puro prazer, X&P



Estamos quase a chegar? - Perguntamos vezes sem conta, só porque sim. Tens de compreender que não é todos os dias que fazemos esta viagem. Só uma vez por ano sentimos que levamos a casa às costas e emigramos para a praia que conhecemos tão bem. Tens de compreender que não é todos os anos que aumenta trinta minutos a hora a que podemos chegar a casa, e que isso é motivo suficiente para que queiramos que os anos passem depressa e cheguemos cedo à maioridade. Porque durante muito tempo, pensamos que os dezoito são aquela idade em que, de um dia para o outro, tudo nos passa a ser permitido. Sem percebermos ainda que a confiança se conquista como se cria um filho. Dia-a-dia. Não vale a pena refilares, nem avisares que ainda falta, que podemos dormir um bocadinho porque a chegada ainda demora. Hoje é dia 1, a mala do carro vai cheinha como um ovo, e nós - não vale a pena insistires - não vamos dormir porque não temos sono. Põe o pé no pedal, acelera, e vamos. Que temos pressa em chegar, por mais que haja grandes probabilidades de estar a chover, de estar vento suão e das pessoas lá em casa estarem com os "azeites".
O caminho já é conhecido, mas parece sempre a primeira vez. Passamos o mosteiro da Batalha e já sabemos que falta pouco pouco para a entrada na autoestrada. E que depois da autoestrada, já falta pouco para chegarmos à ponte. Aí, podes acelerar, que é uma via rápida. Quando se chega à ponte, já sabes que tens de abrandar, não vão os radares apanhar a excitação transcrita nos quilómetros em excesso. Mas nãoi abrandes muito, que aqui já nós não conseguimos manter a alegria de vermos, mais uma vez, o farol vermelho e branco. Já nos cheira a maresia. A praia. E se abrirmos o vidro, já sentimos a humidade do mar apoderar-se do nosso cabelo. Quando propões o desafio de descobrir quem é o primeiro a ver o farol, sorris. Vejo-te, no retrovisor, orgulhosa. Inclinamos os quatro as cabeças, olhos esbugalhados, narizes alinhados, sem pestanejar, com medo de perder o primeiro sinal da Barra. Na rádio, deve passar qualquer coisa. Acho que também cantamos nas viagens. Fazemos aqueles jogos das palavras, e do limão. Por cima da ponte, há gente a andar de bicicleta. Gente que está a acabar as férias. Sei que durante o mês vai haver olás e despedidas q.b. .
Jantares de um grupo de amigos de verão, que se reúne a cada ano. Notam-se-nos as diferenças. Estás tão crescida. Os banhos no mar revolto da nortada. Os sete dias de marés vivas. As inundações de quando a ria enche até ao limite. E os passeios de bicicleta até à barra. As tripas com chocolate e canela. O vento frio e a chuva. Sempre a chuva, que teima deixar-nos algumas tardes livres para o Trivial. E quando chegamos finalmente, estacionas o carro e juntos tiramos as tralhas do carro. Arrumamos tudo em gavetas, penduramos cabides e fios-varão improvisados. Há que desinfectar a casa, limpar tudo bem. Subimos e descemos escadas vezes sem conta. Pelo meio vão aparecendo os amigos que já chegaram há mais tempo. Contam-se as novidades. A casa já tem vida. Acumulam-se as bicicletas à porta. A família chegou à praia. Sabemos que a partir daqui, começam as verdadeiras férias. Grandes, de verão. É bom rever os amigos. É triste deixá-los e dizer-lhes "até para o ano".
O engraçado é perceber que o tempo passa, aqui, tão devagar para nós. E que, mesmo que me esforce, vou pedir, por favor, mais ou menos a meio do mês, que me tragas de Rio Maior os livros do próximo ano. E desejar que as férias acabem depressa.