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quarta-feira, fevereiro 24, 2010

Petite

Nortada e nós deitados na toalha de praia com franjas nas pontas e manchada do tempo. Entre as memórias das barracas de pano às riscas, montadas no areal enorme e dividido em parcelas pelo paredão de pedras. E identificado por zonas pelos cafés. O Visual, renovado todos os anos com cores e balcões e mesas e cadeiras, tudo novo. Havia o Bronze onde reunimos o grupo de amigos durante a tarde. Há o Contiqui, o Prefácio, o Posto 5 e outros que não têm nome.
Havia o banho-maria dos crepes de maçã com amêndoas. E nós descalços, sentados no passeio baixinho de betão, a sacudirmos a areia dos pés. Voltávamos muitas vezes a casa dois a dois, montados nas bicicletas dos primos. Aos ziguezagues, lá tentávamos não falhar os buracos da estrada. Íamos, com toda a pompa e circunstância reduzindo o ar dos pneus, tentando furar aqui e ali a borracha negra, gastando a pouco e pouco o que restava das rodas envelhecidas ao longo dos anos. E às vezes, ficavamos um ou dois para trás, numa última tentativa de mergulhar na água salgada e gelada do mar da Costa Nova, sem sabermos bem de que terra éramos quando parecia que se nos gelava o cérebro.
Sempre foi fácil perceber porque eras sempre a última a chegar e a última a partir. Preparavas a ceira, levavas ameixas lavadas e frescas, e pão de bico com ovos mexidos e salsichas cortadas às rodelas. Às vezes não arriscávamos deitar os caroços das rainha-cláudia na areia: já sabíamos que ias apoiar-nos e isso era mau. E quando te pedíamos para nos ajudares a construir um barco na areia, lá enchias tu as unhas com o verniz vermelho descascado de areia e punhas mãos à obra, que a embarcação não podia esperar. Nenhuma brincadeira espera pelo tempo certo. Ela aparece. E sempre soubeste isso.
E tomávamos banho de mangueira, água gelada, que arrepiava ao ar fresco da nortada. Tantas vezes passámos pelo corredor de casa ainda a espalhar os grãozinhos. Tu olhavas por cima das lentes rectangulares, e fingias que não vias. Acenavas com a cabeça a dizer que não - como se fosse algo de extraordinário tentar perceber as atitudes de miúdos com menos de dez anos. E andavas depois, cigarro nos lábios (e com a cinza a pingar, a parecer água), óculos pendurados ao pescoço, a varrer o areal que deixávamos nos cantos da casa de madeira, difícil de tirar. Paciente, nunca pediste que apressassemos as arrumações, nem as mudanças, nem nada. Sempre elogiaste aquilo que fazíamos bem e nunca deixaste de criticar aquilo em que éramos maus. Conseguiste sempre ver o bom, o bem, o certo. Distinguiste o azedo do doce, como se disso se tratasse a vida. E é bom recordar assim os dias compridos do verão que jamais será o mesmo.

domingo, fevereiro 14, 2010

Valentine's

Frio. Não, nem penses nisso. Isso nunca. Tens de esforçar-te mais do que isso. Não foi imediato, mas foi quase. Arrebatador, como o descrevem. Acabaste de ir e já te sinto a falta. é difícil estar aqui. Sustenho a respiração, não consigo evitar. É mais forte, mais rápido, mais imediato. Soube ser de outra maneira, sim. Admito. Mas agora não consigo. E não peço desculpa. Tem de ser assim. Inevitável. O amor pega em ti, deixa-te sem fôlego, aperta-te o estômago, não te deixa pensar, nem fugir dele. Quem me dera. Arrebatador.

sexta-feira, fevereiro 12, 2010

segunda-feira, fevereiro 08, 2010

Adelino

Não sei se já te tinha dito que ele se chamava Adelino. Tinha? Pois. Era. Chamava-se Adelino. Era baixo, careca e tinha uns óculos redondos, de massa preta e lentes semi-garrafais que lhe ocupavam metade da cara. Verdade, podes acreditar. E sabes que mais? Ficavam-lhe bem. Digo semi-garrafais porque lhe conseguia ver bem os olhos, apesar da graduação. Punha aveia na sopa, sabias? E vinagre. Adorava vinagre. E dava-nos mel às colheradas, e no pão. Era isso, pois. Mel no pão. E tangerinas, no quintal, mesmo às vezes no inverno, quando as gotas do orvalho da manhã ainda pingavam nos ramos estreitos. E lembro-me de quando as magnólias branca e cor-de-rosa floriam em Janeiro. Parecia que tombavam para a estrada com tantas flores. Mas das magnólias falo depois, que isso dá para outro tanto. As flores reflectidas nas lentes. Mas sim. Falava-te dele. Baixo, pequeno. Sempre de fato cinzento. E de camisa branca. Era um homem grande, ele. Sempre amigo dos amigos. E de quem não conhecia de todo. Sempre com vontade de ajudar, de fazer, de dar. Nunca foi rico por isso, justificam alguns. Que pelo andar no negócio seria, se não tivesse fiado tanto. E nunca ficou a dever nada a ninguém. Mas falava-te dele, era. Acho que nunca te tinha dito que se chamava Adelino. Nem naquele dia em que me contaste, a medo, que tinhas um assim. Foi, não foi? Disseste-me: vou contar-te uma coisa, mas promete-me que não te zangas. E eu sorri, já a adivinhar-te o brilho nos olhos. Como se me fosse estranho que me contasses os teus segredos. Pois era. Era Adelino. Estranho, nunca ter-te contado. Não achas? Mas o que se me estranha mais em toda esta história nem é isso. Não é nunca ter-te falado de como sorvia a sopa com aquele barulho. Nem da maneira como descascava os gomos de tangerina. Nem do modo como arrastava os pés. Nem do aroma doce do perfume que ele mesmo fazia lá em casa. Aquilo que mais me intriga nisto tudo é saber que não te contei que sempre tive dúvidas de como é que um coração tão grande pode caber num homem tão pequeno como ele. E nele, surpreendentemente, cabia mesmo.

sexta-feira, fevereiro 05, 2010

Do S. Valentim antecipado


Põe-te na montra da minha memória e não entre os peluches de ursos e corações que dizem 'amo-te' - em letras gordas - na barriga.
Desfila todos os dias no meu quotidiano. Não penses em vir dia sim, dia não, como se pudesses abdicar de viver.
Abre a porta do meu mundo e ensina-mo. Quero vê-lo pela tua perspectiva, ouvi-lo contar com a tua voz, e saber-te espectador participante.
Quero que saibas que podes vir todos os dias. Que não precisas de pedir licença para entrar.
O S. Valentim vem e vai, todos os anos. E eu quero que tu estejas comigo todos os dias.