O Trinta e Um
Acabei de tomar banho. Uma chuveirada não planeada mas que veio mesmo a calhar. Antes disso vi a minha osga de estimação, minha vizinha. Passo a explicar: dei por ela há dois ou três dias. Não mede mais que quatro centímetros, a minha osguinha. Vive de um lado para o outro do terceiro degrau do segundo lance de escadas do prédio onde moro, a contar de cima. Podem encontrá-la lá, a tentar fugir dos pés que, muito maiores que ela, teimam em passar – cima, baixo, cima, baixo, cima, baixo. Quando me vê a aproximar, insiste em passar do lado do degrau que está, para o outro lado, não vá eu deixar de a ver. É uma provocadora.
Mas passemos à história propriamente dita.
Desde que vim para Lisboa que não gosto muito de andar de autocarro. A antipatia não tem a ver com os autocarros propriamente ditos – o mal que poupam ao meio ambiente (penso eu) compensa o estado em que alguns desses belos exemplares se encontram – são praticamente relíquias, quase peças de museu…alguns até elementos constituintes de um qualquer ferro-velho.
Pois bem…não gosto de andar de autocarro sobretudo por causa dos condutores, senhores motoristas de autocarro (esta observação vem a propósito de outros condutores com os quais ainda simpatizo menos – houve um, uma vez, que me obrigou a tratá-lo por senhor motorista de táxi).
Só que hoje alterei a minha visão acerca destes senhores e percebi, mais uma vez, que não devo, nunca, generalizar e pensar que por dez ou vinte "exemplares" serem de uma determinada maneira, isso não quer dizer que sejam todos assim. Acredito que não há regra sem excepção.
Jantei fora, sozinha. Sopa e salada de frutas. A mando da minha nutricionista que disse que acha que eu assim vou “emagrecer imenso”…quanto a isso, vamos esperar para ver.
Desde manhã cedo que o céu estava negro mas eu não ia adivinhar que ia pôr-se a chover torrencialmente logo na altura em que eu saí do El Corte Inglês para ir para casa… a pé.
Não que seja longe…não é. Mas também não são só dois ou três minutos. São dez, doze ou treze, a andar depressa. Pois. Foi na altura em que eu passei a Gulbenkian que começou a chover mais. Mesmo muito. Comecei a sentir a chuva na cara, no cabelo, no casaco, nas botas, nas calças, a sentir os pés primeiro húmidos, depois frios, molhados, encharcados.
Atravessei a primeira passadeira sem esperar porque o sinal já estava verde. Senti a chuva mais perto enquanto esperava pelo segundo. Mais ainda na espera pelo terceiro. Corri depois em direcção a casa. O 31 estava parado na Praça de Espanha. Parei na paragem para me abrigar. O condutor estava sozinho. Olhei. Entrei. Disse boa noite. O cumprimento foi-me devolvido. Paguei. Sentei-me. Comentei a grande molha que tinha apanhado. Estava toda molhada, o cabelo a escorrer água, a sensação de liberdade à flor da pele, a vontade de sair do autocarro e continuar o caminho a pé. Perguntou-me se não tinha chapéu e à minha resposta negativa disse que só precisava de por detergente na roupa, já que a água, essa era dispensável. Comentou que se a chuva continuasse assim, os bombeiros da Baixa entrariam em serviço passados dez minutos. Enumerou uma séria de zonas de Lisboa que fariam escorrer as águas directamente para a Baixa da cidade, com a agravante da proximidade do rio.
Seguiu por Sete Rios. Em frente ao Jardim Zoológico entraram 5 pessoas. Duas mulheres comentavam a importância da chuva (“Há pessoas que não gostam mas ela é importante para tudo”, dizia uma). Outras duas riam por uma delas não encontrar o passe na carteira e por outra conseguir que o passe passasse através da carteira, sendo esta tão grossa. Já todos conheciam o motorista.
Eu não. Nem ele a mim.
Entrámos na rua das Laranjeiras. À entrada da minha rua perguntou-me em que número ficava. Achei de uma enorme amabilidade, agradeci mas recusei a oferta. Perguntou-me se era antes ou depois do viaduto. Disse-lhe que depois, mas que era tão perto da paragem que não havia problema de ir a pé. Insistiu. Parou mesmo em frente ao 43. As portas abriram-se e senti-me uma princesa. É incrível como existem pessoas tão especiais neste mundo às vezes tão cruel, que nos fazem sentir princesas nos mesmos dias em que sentimos as gotas de chuva a cair-nos na cara.
segunda-feira, novembro 28, 2005
quinta-feira, novembro 10, 2005
Agora...Adeus.
Não sei se conseguirei dizer tão bem aquilo que Eugénio de Andrade diz melhor...
Foi Adeus...
Agora...
Hoje...
Aqui...
Ali...
Depois...
De sempre...
Para sempre...
Adeus.
Racionalizar tudo aquilo que se sente termina assim. Num adeus. Mais profundo. Mais intenso. Mais melancólico. Mais livre. Mais certo. Mais fulminante. Mais ADEUS...
Eras (tu). Foi (assim). Vai passar.
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisa fossem minhas:
quanto mais te dava, mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: "meu amor"
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
Aqui e agora penso em ti. Adeus.
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