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domingo, fevereiro 12, 2006

Histórias...

Debaixo duma cama existe uma caixa de cartão azul. O azul é parecido com o chamado "azul petróleo", aquele azul forte. A caixa foi montada de acordo com um pequenito livro de instruções. A unir os seus vértices e arestas estão umas pequeninas molas pretas que encaixam, uma por dentro, outra por fora. Estas duas partes são "almas gémeas", feitas à medida para que encaixem perfeita e totalmente, uma na outra. O cartão, as molas e a cor fazem com que a caixa se distinga das outras que guarda debaixo da cama.
Dentro duma caixa azul petróleo de cartão, debaixo de uma cama, estão outras caixas, umas mais pequenas, outras maiores. Quando se abre a caixa azul, entra nas narinas um cheiro de recordações. Como quando se espreita uma gaveta que já não se abre há muito tempo ou quando se vai a um sótão onde os velhos livros ou as roupas antigas se amontoam.
Aquilo que está dentro daquela caixa azul debaixo da cama não é intrigante, surpreendente, nem tão pouco suspeito. Reservado apenas a quem a conhece, a caixa azul encerra em si várias preciosidades: cartas, bilhetes, papel de embrulho já utilizado, pequenos presentes.
Se falasse, aquela caixa azul petróleo poderia ser uma bela contadora de histórias. Porque dentro de si há muito mais do que um amontoado de papéis.
Numa breve vista de olhos pelo seu conteúdo, seria possível ficar a par de segredos, sonhos, decepções, gostos, ódios, anseios, desapontamentos.
É possível que só através das palavras escritas e das coisas materiais se possa fazer a história? Não se conhece nenhum poeta que não tenha deixado nenhum poema escrito, nem nenhum músico sem alguma melodia editada, nem pensadores, nem escultores, nem ninguém que seja conhecido apenas porque alguém o conheceu. Será preciso encerrar aquilo que se sente numa materialidade para que possa efectivamente existir, reunir tudo o que se sonha numa "colectânea de sonhos" para que se tornem passíveis de realizar? Porque não basta sentir, dizer, comunicar, transmitir? Porque tudo tem de ser escrito para existir? Afinal a História é mesmo feita de uma sucessão de acontecimentos que foram vistos, interpretados, narrados e transmitidos e ficaram para a posteridade, para que alguém os pudesse sentir de determinada forma. Não da maneira que aconteceram, porque por mais perfeito que seja o escritor, historiador ou romancista, aquilo que relata já tem a sua subjectividade; mas de uma maneira que tentasse recriar o que aconteceu na realidade, para que o leitor possa entendê-la.

Serão os amores impossíveis aqueles que realmente existem por serem aqueles que fazem a história? Afinal todos conhecemos histórias que contam sagas de amores proibidos nas quais dois apaixonados lutam por um amor difícil de concretizar e acabam por cair inevitavelmente nas malhas de um destino cruel.

A caixa azul, debaixo da cama, conta-me uma história de amor. Ela não se lembra bem como começou...conhece-a apenas, ainda que como a palma da sua mão. Sabe-a com um começo, muitas quedas, abraços e recomeços. Sabe-a forte, diferente do início e simultaneamente quase inalterada. Conhece-a pequenina, com bilhetes, sorrisos tímidos, mãos tímidas, olhares tímidos e todas as timidezes características de um início de uma história de amor que se preze. Conhece a sua evolução, as zangas, os tropeções, as lágrimas. Não se pense que a pequena caixa - tão pequena ao lado de tão grande história - apenas conhece tristezas. Deixem-me contar que conhece muitos sorrisos cúmplices, gargalhadas de manhã, à tarde e à noite, sonolentas, com preguiça ou animadas, meios-sorrisos e sorrisos-inteiros. Conhece caminhos, pegadas, corridas. Conhece muitos, imensos beijos, abraços, festinhas. Conhece canções, filmes, trabalhos. Jantares, almoços, lanches e ceias.
- "Conhece-te. Conhece-me." E nós a ela.
Alguém pôs uma história dentro de uma caixa. Afinal as histórias são as interpretações que restam de vivências não pacíficas. De coisas que nos acontecem e nos marcam. Sonho um dia poder contar esta história num livro. Não para que faça História mas para nunca me esquecer que assisti a ela da primeira fila, desde o primeiro dia.
Das histórias que se contam ficam breves memórias de grandiosos sentimentos e emoções que quase não couberam no corpo de tão grandes e fortes. O que interessa, sem sombra de dúvidas, não é relembrá-las, mas vivê-las.

1 comentário:

Deb disse...

Costumo dizer que o mais importante numa relação que tenha marcado é conseguir, um dia, de qualquer maneira, guardá-la numa gaveta bem fechada, sem hipótese de que os ácaros sujos corroam o que ela tem de bom. Em nome deste meu lema, por várias vezes (e não descurando a força dos amores que vivi...) fiz questão de não prolongar essas recordações, de não viver mais, para garantir que sorriria sempre a olhar aquela gaveta.

O mesmo gostaria que fizesses com a tua caixa azul-petróleo, pois desejo-te o melhor e sei que esta é uma opção muito luminosa, para ti, uma "mariana flor" tão pronta a viver as coisas boas da vida em plenitude.

Pois tu bem sabes como, mesmo hoje, com a história de amor que me conheces, me obrigarei a fechar a gaveta antes mesmo de algumas grandes labaredas se terem extinguido. Se o faço, é porque prezo esse "Amor" com A grande, que também tu conheces.

Quem tudo quer, tudo perde. E mesmo quando parece que podemos ter mais um pouco, na realidade poderemos estar a perdê-lo. Aos poucos... para nunca mais.

Faz da tua vida um arquivo! Bem fechadinho!