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segunda-feira, fevereiro 08, 2010

Adelino

Não sei se já te tinha dito que ele se chamava Adelino. Tinha? Pois. Era. Chamava-se Adelino. Era baixo, careca e tinha uns óculos redondos, de massa preta e lentes semi-garrafais que lhe ocupavam metade da cara. Verdade, podes acreditar. E sabes que mais? Ficavam-lhe bem. Digo semi-garrafais porque lhe conseguia ver bem os olhos, apesar da graduação. Punha aveia na sopa, sabias? E vinagre. Adorava vinagre. E dava-nos mel às colheradas, e no pão. Era isso, pois. Mel no pão. E tangerinas, no quintal, mesmo às vezes no inverno, quando as gotas do orvalho da manhã ainda pingavam nos ramos estreitos. E lembro-me de quando as magnólias branca e cor-de-rosa floriam em Janeiro. Parecia que tombavam para a estrada com tantas flores. Mas das magnólias falo depois, que isso dá para outro tanto. As flores reflectidas nas lentes. Mas sim. Falava-te dele. Baixo, pequeno. Sempre de fato cinzento. E de camisa branca. Era um homem grande, ele. Sempre amigo dos amigos. E de quem não conhecia de todo. Sempre com vontade de ajudar, de fazer, de dar. Nunca foi rico por isso, justificam alguns. Que pelo andar no negócio seria, se não tivesse fiado tanto. E nunca ficou a dever nada a ninguém. Mas falava-te dele, era. Acho que nunca te tinha dito que se chamava Adelino. Nem naquele dia em que me contaste, a medo, que tinhas um assim. Foi, não foi? Disseste-me: vou contar-te uma coisa, mas promete-me que não te zangas. E eu sorri, já a adivinhar-te o brilho nos olhos. Como se me fosse estranho que me contasses os teus segredos. Pois era. Era Adelino. Estranho, nunca ter-te contado. Não achas? Mas o que se me estranha mais em toda esta história nem é isso. Não é nunca ter-te falado de como sorvia a sopa com aquele barulho. Nem da maneira como descascava os gomos de tangerina. Nem do modo como arrastava os pés. Nem do aroma doce do perfume que ele mesmo fazia lá em casa. Aquilo que mais me intriga nisto tudo é saber que não te contei que sempre tive dúvidas de como é que um coração tão grande pode caber num homem tão pequeno como ele. E nele, surpreendentemente, cabia mesmo.

1 comentário:

Zoka disse...

O sussurro rouco de quem diz a duas crianças que querem brincar com uma máquina fotográfica partida que não tem força para abrir a tampa do rolo ainda hoje faz eco na minha cabeça e no meu pequenino coração imensamente cheio de saudades de quando eu era o pescador e tu, a peixeira...