Nortada e nós deitados na toalha de praia com franjas nas pontas e manchada do tempo. Entre as memórias das barracas de pano às riscas, montadas no areal enorme e dividido em parcelas pelo paredão de pedras. E identificado por zonas pelos cafés. O Visual, renovado todos os anos com cores e balcões e mesas e cadeiras, tudo novo. Havia o Bronze onde reunimos o grupo de amigos durante a tarde. Há o Contiqui, o Prefácio, o Posto 5 e outros que não têm nome.
Havia o banho-maria dos crepes de maçã com amêndoas. E nós descalços, sentados no passeio baixinho de betão, a sacudirmos a areia dos pés. Voltávamos muitas vezes a casa dois a dois, montados nas bicicletas dos primos. Aos ziguezagues, lá tentávamos não falhar os buracos da estrada. Íamos, com toda a pompa e circunstância reduzindo o ar dos pneus, tentando furar aqui e ali a borracha negra, gastando a pouco e pouco o que restava das rodas envelhecidas ao longo dos anos. E às vezes, ficavamos um ou dois para trás, numa última tentativa de mergulhar na água salgada e gelada do mar da Costa Nova, sem sabermos bem de que terra éramos quando parecia que se nos gelava o cérebro.
Sempre foi fácil perceber porque eras sempre a última a chegar e a última a partir. Preparavas a ceira, levavas ameixas lavadas e frescas, e pão de bico com ovos mexidos e salsichas cortadas às rodelas. Às vezes não arriscávamos deitar os caroços das rainha-cláudia na areia: já sabíamos que ias apoiar-nos e isso era mau. E quando te pedíamos para nos ajudares a construir um barco na areia, lá enchias tu as unhas com o verniz vermelho descascado de areia e punhas mãos à obra, que a embarcação não podia esperar. Nenhuma brincadeira espera pelo tempo certo. Ela aparece. E sempre soubeste isso.
E tomávamos banho de mangueira, água gelada, que arrepiava ao ar fresco da nortada. Tantas vezes passámos pelo corredor de casa ainda a espalhar os grãozinhos. Tu olhavas por cima das lentes rectangulares, e fingias que não vias. Acenavas com a cabeça a dizer que não - como se fosse algo de extraordinário tentar perceber as atitudes de miúdos com menos de dez anos. E andavas depois, cigarro nos lábios (e com a cinza a pingar, a parecer água), óculos pendurados ao pescoço, a varrer o areal que deixávamos nos cantos da casa de madeira, difícil de tirar. Paciente, nunca pediste que apressassemos as arrumações, nem as mudanças, nem nada. Sempre elogiaste aquilo que fazíamos bem e nunca deixaste de criticar aquilo em que éramos maus. Conseguiste sempre ver o bom, o bem, o certo. Distinguiste o azedo do doce, como se disso se tratasse a vida. E é bom recordar assim os dias compridos do verão que jamais será o mesmo.