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quinta-feira, outubro 27, 2011

Disciplina

Obrigo-me a escrever rápido sobre a falta do meu tempo, sobre a correria dos meus dias, sobre a falta de disponibilidade que tenho para escrever sobre mim. Obrigo-me, por isso, a pensar nisto como uma coisa que devia ser essencial, importante, singular. Obrigo-me a escrever assim meio sem pensar, sem reflectir, sem olhar para o texto anterior para ver se escrevi calinada. Obrigo-me a escrever sobre as semanas passadas, sempre a correr, de um lado para o outro, de táxi em táxi, de metro em metro, de carro em carro, de letra em letra, de frase em frase, história em história, de dia em noite e de noite em dia. Obrigo-me porque se não me exijo isso, não vou fazer mais do que o que me exigem os dias. Parece um drama mas não é. Obrigo-me a escrever sobre as saudades que eu tenho de não vos ver todos os dias e de me parecer que há se passaram anos desde aquele dia no aeroporto. Obrigo-me a escrever sobre o nosso almoço depois de tanto tempo, em que me pareceste quase igual, como se o tempo não tivesse passado. Obrigo-me a escrever sobre a correria até dos fins-de-semana, em que além do calor do mimo tenho o mimo do calor de quem me pede para me contar histórias, que me emociona por se emocionar, que me conta segredos íntimos numa intimidade inédita. Exijo-me contar aqui as saudades que eu tenho de cheiros e de sabores de uma cozinha que agora não tem vida, onde a manteiga nunca sai de cima da mesa e de onde o vapor dos vidros desapareceu há anos, porque ali nunca mais ninguém fez sopa de grão de bico com leve sabor a chouriço. Obrigo-me aqui a escrever sobre a loucura que é viver esta vida, sobre a admiração que os outros gabam de uma organização de tempo que eu nem sempre tenho. Exijo-me a avaliar o tempo que guardo para mim. Obrigo-me a adiar essa avaliação porque agora não tenho tempo. Porque este texto escrevi-o ontem à noite, com a cabeça mais livre. E ele apagou-se, insolente. Obriguei-me hoje a escrevê-lo outra vez. Não está igual. Mas é sobre a minha vida. E obrigo-me - tenho de obrigar-me - a escrever sobre ela.