Ela anda em limpezas. Diz que tem demasiada roupa - sim, ela admite - e anda sempre a comprar mais. Notou que há muitas coisas que já não usa e que só guarda porque sim. Não sabe explicar. É como as cartas de amor da escola primária, que guarda naquelas capas empoeiradas meio-escondidas debaixo da cama. Ou como os talões de compras que vai acumulando no porta-moedas para 'depois fazer contas' mas que, chega o dia em que já não cabem mais, e vão directos para o lixo sem somas. Como aquelas conversas que voltam sempre quando há alguma coisa na vida dela que a leva a pensar nas mentiras que lhe contaram, ou nos beijos que lhe roubaram, ou nos abraços que não lhe deram. Ela guarda tudo com medo que a memória atraiçoe. Sabe que tem boa memória mas insiste em guardar as agendas velhas na prateleira da mesa de cabeceira. Continua a andar com as fotografias metidas no caderninho da carteira, em vez de as pôr numa moldura pela qual vai passar os olhos todos os dias antes de se deitar. Guarda as coisas mais perto com medo que a cabeça não chegue para a lembrar que, por mais perto que os objectos estejam, eles não são as pessoas que lhos deram. Para ela nunca fez sentido desfazer-se do passado. Só que, à medida que acumula os dias na agenda, ela vai percebendo que não há espaço para toda a papelada dos dias que foram passando. E começa a perceber - finalmente - que há um dia em que, na caixa, já só cabem coisas novas se das velhas ela se desfizer.
3 comentários:
Se só há espaço para perguntas, as respostas nunca vão conseguir entrar. Tem de se dar espaço.
Se só há espaço para as perguntas, as respostas nunca vão conseguir entrar. É preciso dar espaço.
Não se deita nada fora. Mesmo o que fez mal, faz bem!
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