Saímos cedo, ontem. Não quisemos perder a luz da manhã, que nada se lhe compara. E de repente já lá estávamos, no meio do jardim. As distâncias ali percorrem-se rápido, nem há o trânsito de Lisboa, que não conhecia. Nem sequer a peocupação de chegar depressa. E só isso, tira-nos a pressa e a ansiedade da chegada. Só queremos chegar.
Chamaste a atenção para as cores das folhas, mas eu já tinha reparado. Há nesta altura uma diferença ínfima. Parece que têm calor, as cores aquecem mesmo que a manhã esteja fria. E enquanto me ajeitas o cachecol ao pescoço, para não apanhar frio, dou comigo a abraçar-te e a pensar o quanto gosto de ti. Ontem, falámos de tantas coisas que já nem me lembro de todas. Falámos da escola em que já não ando, dos testes, dos manos, e falámos também das férias do próximo verão. E das cores que a Primavera trará entretantoo. E do Natal que se aproxima. Falámos de como gostas de ver passar as pessoas à janela de madrugada. E de como gostas de o fazer a fumar o primeiro cigarro do dia, mesmo antes de comeres. E do guardanapo - o único de tecido na mesa. Ontem falámos de ti e do teu trabalho - como nunca falámos. Decidi fazer-te todas as perguntas de que me lembrei e que nunca te tinha feito. Apanhámos as folhas do chão, construímos uma paleta de cores sem precedentes e admirámos os cogumelos perto do musgo, que se alimentam das primeiras chuvas. Pedalámos nas gaivotas no rio, baixámos a cabeça a passar por debaixo da ponte pequenina, pusemos uma moeda em duas bicicletas e fizemos uma corrida que fez estalar as folhas nos caminhos. E depois, ainda conseguimos cumprir com distinção o percurso de manutenção, com os exercícios já meio-apagados das placas das estações. Num instante, sem mais nem menos, ontem abraçaste-me. E eu senti que estavas ali ontem, como se o ontem fosse simplesmente ontem. E não apenas passado.
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