Não há fila de espera a esta hora, que já é tarde para jantar. Encosta um braço ao balcão, espreita as sopas que há. Pede a de bróculos com parmesão. Só. São dois euros, obrigada. Pega no tabuleiro sem dificuldade, e o multibanco numa das mãos. Não anda mais de dois passos, afasta o banco e pousa o tabuleiro de madeira clara na mesa. Ajeita o casaco, senta-se e arruma o cartão no porta-moedas, não vá perdê-lo. Volta a levantar-se, pede-me para ler o jornal que está no topo da mesa, enquanto eu faço a chamada de fim de dia para o meu amor que está longe. E num instante, a sopa verde e light não lhe dura mais do que lhe toma a reportagem da 27.ª vítima de violência doméstica do ano. Consigo lembrar ao pormenor as palavras que li esta manhã enquanto tomava o café na pastelaria perto do trabalho. Acena que não com a cabeça, esfrega o olho esquerdo, ajeita o guardanapo branco no colo de ganga. E parece que entre ela e aquela página dupla, impressa durante a noite, não há senão o abismo de 24 horas. E uma realidade que partilha por lhe ser contada uma verdade que não era sua, mas passa a ser pelos olhos de outro que, com as palavras, trata de contar as histórias que os outros não puderam ver.
Sem comentários:
Enviar um comentário