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terça-feira, outubro 09, 2012

Casa

É casa aqui. É casa no aconchego do teu abraço, no repenicar do teu beijinho, no calor do teu olhar. É casa quando te leio. É casa quando ligas, quando te sinto no fundo do telefone, um sorriso. É casa quando estás aqui e também quando não estás mas parece que estás porque nunca deixas de estar. É casa quando apareces depois de fingires que desapareceste, quando convidas para jantar de surpresa e esperas que eu leve o vinho.

É casa quando telefonas no caminho para perguntar como corre a viagem, casa quando sinto a orelha vermelha porque estás a pensar em mim. Casa quando passo a ser palavra nas tuas frases. É casa sempre que estás e te sinto. Casa quando escreves, quando cantas, quando me apresentas uma música de que gostas muito e da qual eu nunca ouvi falar.

É sempre casa quando me citas um verso de cor e eu calo o final da frase – mesmo que a saiba – para tu sentires que brilhas para mim. É casa quando escondes o olhar de esguelha que queres que eu não veja.

É casa quando me negas um beijo que depois de dás em troca de outro. É sempre casa quando olhas para mim, quando os teus olhos percorrem os meus lábios e sorriem às minhas palavras, mesmo que não faças ideia do que falo ou porque o digo.

É casa quando os teus olhos dizem que sim ao que a tua boca diz que não, porque é casa conhecer-te melhor a cada passo. Casa sempre que ameaças abraçar-me e cumpres a tua promessa. É casa a sensação de te conhecer hoje melhor do que ontem e pior do que amanhã, porque a doce expectativa de ver em ti aquilo que eu procuro é sempre quente. É casa sempre que penso em ti. Porque é sempre casa quando chegamos e nos sentimos bem. E tu és esse sítio.

É casa quando chego, casa quando cheiro, casa sempre que tu estás, onde tu estás. É casa quando tenho saudades e sempre que as mato. É casa em ti.


sexta-feira, setembro 21, 2012

hat-trick.

pedras bonitas. rã alentejana. costa nova.

Não deites fora o que te faz feliz

Ela anda em limpezas. Diz que tem demasiada roupa - sim, ela admite - e anda sempre a comprar mais. Notou que há muitas coisas que já não usa e que só guarda porque sim. Não sabe explicar. É como as cartas de amor da escola primária, que guarda naquelas capas empoeiradas meio-escondidas debaixo da cama. Ou como os talões de compras que vai acumulando no porta-moedas para 'depois fazer contas' mas que, chega o dia em que já não cabem mais, e vão directos para o lixo sem somas. Como aquelas conversas que voltam sempre quando há alguma coisa na vida dela que a leva a pensar nas mentiras que lhe contaram, ou nos beijos que lhe roubaram, ou nos abraços que não lhe deram. Ela guarda tudo com medo que a memória atraiçoe. Sabe que tem boa memória mas insiste em guardar as agendas velhas na prateleira da mesa de cabeceira. Continua a andar com as fotografias metidas no caderninho da carteira, em vez de as pôr numa moldura pela qual vai passar os olhos todos os dias antes de se deitar. Guarda as coisas mais perto com medo que a cabeça não chegue para a lembrar que, por mais perto que os objectos estejam, eles não são as pessoas que lhos deram. Para ela nunca fez sentido desfazer-se do passado. Só que, à medida que acumula os dias na agenda, ela vai percebendo que não há espaço para toda a papelada dos dias que foram passando. E começa a perceber - finalmente - que há um dia em que, na caixa, já só cabem coisas novas se das velhas ela se desfizer.

sábado, maio 19, 2012

a tua casa

Já não sei quando foi. Mas ainda ando com os postais que te escrevi metidos entre as folhas da agenda, que anda sempre comigo na carteira. É amarela, a minha cor preferida. Acho que nunca te disse. Hoje acabaram de esvaziar a tua casa. A caixa de costura e a máquina de costurar foram para Rio Maior, a ver se não me esqueço de as trazer logo que possa. Fiquei com a tua Chanel, espero que não te importes. Pendurei-a um dia destes numa das cadeiras da mesa da sala e, sempre que me aproximo, cheira a ti. Sim, podes acreditar. O papá ligou-me. Diz que está tudo vazio. Deve fazer eco, avó. Imagina só, a tua casa a fazer eco. É difícil imaginar, não é?  

sexta-feira, março 09, 2012

um dia vamos voltar a encontra-nos. tu, sempre a cheirar a noz moscada. eu, sempre à tua espera na cadeira de madeira, no telheiro da cozinha. entretanto, enquanto esse dia não chega, vou lembrar-me de ti. assim.

sábado, fevereiro 18, 2012

apresentações

olá Francisca,
isto está uma confusão mas quando se entra no quarto quente da maternidade, nem se nota, confesso. cheiras tão bem que o perfume do teu cabelo supera todos os aromas de flores, sejam elas quais sejam. é fácil gostar de ti: és tão pequenina como linda, mal choras, comes a horas certas, gostas de tomar banho na água morna naquela banheira de plástico estrategicamente colocada no meio do quarto, és leve como uma pluma, tens um mundo inteiro à tua frente, tens a atenção de toda a gente, tens uma vida inteira para viver. e, no entanto, o mundo gira à tua volta, as visitas não deixam descansar a tua mãe, os colos disputam-te pelo desejo de pegar-te mais um pouco, de sentir este pedaço-de-gente-que-é-o-sinal-mais-real-de-que-a-vida-está-sempre-a-renovar-se.
és isso mesmo: vida. és energia, és esperança, és amor, és ternura, és um ratinho pequeno que se acomoda nos braços das avós e das primas e das tias todas e faz com que se pense que as coisas todas são poucas para descrever a novidade de te ter ao pé de nós.
o tempo anda muito rápido mas a agenda tem sempre vaga para ti, francisca. e vai ser difícil explicar à troika que os cueirinhos têm tecidos macios, bordados e folhos que podem ajudar a esquecer a crise. vai ser complicado olhar-te para os olhos e disfarçar a surpresa de serem de uma cor que não tem nome e de uma curiosidade que mete inveja aos olhares cansados de todos os dias, que lutam contra a velocidade das horas dos dias que passam e que procuram descanso numa almofada com a fronha lavada, ao fim do dia. vai ser difícil explicar-te que às vezes, o dia-a-dia nos cega tanto que não conseguimos ver o que é importante, que nem sempre - por mais que queiramos - conseguimos aquilo que queremos. vai ser desafiante ensinar-te que as cores e os cheiros e as pessoas fazem parte do mundo que nos rodeia, e que a eterna magia das coisas é olhar sempre para elas como tu olhas para nós. como se não as conhecêssemos.
não sei como, mas sustenho a respiração para não te acordar. não quero adiantar-me. vou acompanhar-te por aí.

sexta-feira, fevereiro 03, 2012

anda comigo ao fim do mundo com bons ares.

A liberdade é um trem e nem se discute. Passa por nós, apanhamo-la se conseguirmos. Se quisermos. É flexível até acabarem os carris. No fim do mundo há carris estreitos e o caminho tem princípio mas parece que não acaba. A liberdade aqui mede-se pela resistência que temos à chuva numa estrada de terra batida enquanto esperamos que apareça alguém, ocupe e ofereça boleia no único carro parado, estacionado no meio da estrada. A liberdade do fim do mundo escapa-nos porque somos demasiado pequenas para o silêncio das serras e dos lagos, que se misturam e se tocam, e parecem beijar-se sem pudor durante o dia. Os dias são compridos no fim do mundo, estranhamos que não anoiteça antes de adormecermos e surpreendemo-nos que o dia nasça antes de nos deitarmos.
No fim do mundo falamos línguas diferentes das do dia-a-dia, rimos ao telefone com risinhos de adolescentes e emocionamo-nos no teleférico, enquanto o nariz quase não aguenta a pureza do ar fresco.
No fim do mundo parece que estamos sozinhos na imensidão do lago que arrepia. Ao mesmo tempo parece que nunca havemos de estar sozinhos tal é a imensidão da paisagem. Vamos com amigas, andamos por caminhos de terra batida, roemos maçãs como na música, suculentas, na paragem do comboio do fim do mundo. Mas o frio da terra do fogo pouco se sente quando nos safamos entre as poças de lama, com a rapidez de uns passos meio ansiosos de encontrar aquilo que procuramos ali. Os pés não se baralham, o espanhol fala-se rápido enquanto se inventam palavras que fazem sorrir por não existirem. Bebemos mate muito doce e esperamos que o frio do fim do mundo fique para sempre na memória. Um frio quente, este do fim do mundo. Como o calor de La Boca, que tem as cores todas do mundo. Sejam uma horas ou um par de dias, a cidade é sempre a cidade. Há barulho a toda a hora, pessoas a toda a hora. Cores, carros, cheiros, sabores, palavras. Na cidade quente de verão há avenidas tão largas que não se atravessam de uma só vez. Há a sensação de estar num sítio que conhecemos sempre mas que, ao mesmo tempo, nos obriga a orientarmo-nos no mapa. Há a diversidade de caras, a incompatibilidade de pensamentos, a colecção de memórias boas. Viagens de barco com hora marcada, chuva uruguaia que encharca a roupa e calor que seca o corpo e queima a pele. Vêem-se cavalos à solta num filme inesquecível cujo princípio imperceptível não nos deixa apagar a memória nem terminar a sensação de liberdade. Casas com cores, autocarro com cores, rua com cores, coração com cores.
Seja a Ruta nº3 que nos leva ao mar e deixa-nos pisar o ponto mais a sul do globo antes do pólo. Seja a 9 de Julho que nos suspende a respiração. Seja um beijo. Um abraço. Uma palavra. Há alguma coisa ali. Um mundo inteiro.
Não sei por que te conto estas coisas, que sei que não vais perceber se não fores lá também. O fim do mundo tem coisas assim: deixa-nos a pensar que pode ser onde nós quisermos.

terça-feira, janeiro 24, 2012