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sábado, janeiro 03, 2009

Pequenina

Põe-se a água a ferver no fogão, para um café. Depois do jantar sabe bem uma bebida quente. Está frio lá fora, e cá dentro há a lareira que nos aquece e nos faz esquecer por momentos que estamos no pico do Inverno. E quando a água começa a ferver e apago o bico para o pó do café não fazer sair a água da cafeteira, lembro-me de ti. Café feito em casa, cheira e sabe a ti.
Cada vez que entro na tua cozinha, parece-me que estou noutra casa. Era uma casa cheia de vida. Quando chegávamos, havia sacos no hall de entrada. Cheirava sempre a sopa e logo que descíamos o degrau de madeira, à entrada da cozinha nova, a porta estava fechada e o vidro completamente embaciado. Estavas muitas vezes ao fogão, a cozinhar. Os teus cozinhados sabiam ao teu cheiro e fazias o maior arroz branco do mundo.
Ajudavamos-te a pôr a mesa, sempre com o guardanapo de pano para o avô e de papel para todos os outros. Quando íamos passar fins-de-semana, fazias as comidas favoritas de todos. Sopa de grão, rosbife, jardineira. Sabias exactamente daquilo que cada um gostava e não abdicavas de nenhum em detrimento de outro. Tinhas plena noção do conceito de família. Chamavam-te Pequenina. Não por seres baixa, mas por seres a mais nova dos três.
Agora, no hall há cartas por abrir, por pessoas que já não estão. Há uma porta de armário caída, cheira a inércia. Dantes, eras tu que varrias as escadas todas as manhãs. Era o despertar do dia, com um cigarro que nunca travavas no cantinho da boca e o avental já posto. O barulho da vassoura e da pá na alcatifa parece tão familiar como ausente. Há muito tempo que não o oiço. A cinza do cigarro às vezes ficava retida nos óculos, pendurados ao peito. Como quando cozinhavas e a farinha ficava também num mini-depósito nas lentes dos óculos graduados.
É destas tuas recordações que vive a minha memória de ti. Pequenos laivos que me lembram das tuas manias, de esconderes chocolates na gaveta da mesa de cabeceira, de compores o longo cabelo louros - de um louro quase branco - que só descobríamos quando, de manhã, tiravas os ganchos, desmanchavas a 'banana' e voltavas a penteá-lo. Fazias lembrar uma princesa nas fotografias de casamento. Tinhas uma postura real, quase de rainha, um porte sofisticado e uma importância de pilar. De quem tudo decide mas de quem raramente fica com os louros. Achava piada a que tivesses sempre uns sapatos de salto alto, no carro, do lado do pendura, que calçavas sempre que saías do carro. Entretanto, enquanto conduzias, levavas os chinelos que eram muito mais confortáveis para a tua condução. Sempre que íamos às compras, chegávamos a casa e punhas-te na entrada, sentada sobre os teus joelhos. Pegavas no talão e confirmavas com a nossa ajuda se tinha vindo tudo. Tinhas uma energia subtil, uma voz doce, uns olhos azuis-mar. Eras mais do que a pedra-angular daquela casa: eras a alma.

2 comentários:

Anónimo disse...

É por estas e por outras que estas tramada:p Vamos mesmo ter que continuar a escrever..é demasiado bom para ficar só para ti!

Obrigada, metade-de-sonho ;D

Suoutubro disse...

Adorei!
Cada vez me parece mais que não vais ser só jornalista.